Por Argos Arruda Pinto
ÍNDICE
(ainda sem numeração de página)
Introdução
1 - Ciência, filosofia e religião
2 - O que é a vida?
3 - Sistema
3.1 - Equilíbrio
3.2 - Equilíbrio de sistemas acoplados
3.3 - Propriedades emergentes
3.4 - Informação
3.4 - Retroação e cibernética
3.5 - Nível Funcional Sistêmico
3.2 - Equilíbrio de sistemas acoplados
3.3 - Propriedades emergentes
3.4 - Informação
3.4 - Retroação e cibernética
3.5 - Nível Funcional Sistêmico
4 - Estatística
5 – Astronomia e Astrofísica
5.1 - A importância dessas ciências
5 – Astronomia e Astrofísica
5.1 - A importância dessas ciências
5.2 - O início
5.3 - Galáxias e estrelas
5.4 - Corpos excêntricos
5.5 - Expulsão
6 - A matéria primeva
7 - Os compostos orgânicos
8 - A vida
5.3 - Galáxias e estrelas
5.4 - Corpos excêntricos
5.5 - Expulsão
6 - A matéria primeva
7 - Os compostos orgânicos
8 - A vida
Introdução
Este é um livro onde pretendo apresentar ao leitor os
aspectos científicos mais importantes que levaram a matéria a se
organizar e a constituir os seres vivos em nosso planeta. É
necessário que o leitor possua uma formação de no mínimo de
segundo grau pois muitos conceitos apresentados aqui requerem um
conhecimento prévio de alguns tópicos de ciências como Biologia,
Física, Matemática e Química.
Para a Ciência os organismos vivos são máquinas de
características singulares, máquinas naturais, com propriedades que
em muito se diferem daquelas produzidas pelos homens. Diferentes em
complexidade, funcionalismo e tratamento da informação. A origem da
vida não fora um fato isolado no qual bastaria apenas um ramo ou um
tópico de uma de nossas ciências para explicá-la. Ela em si é um
resultado de fenômenos físico-químicos hipercomplexos e por isto
deve-se reunir pelo menos alguns tópicos importantes de várias
ciências para explicar como a sua origem tivera efeito. Detalhes de
estruturas físicas e químicas, controle de funções, adaptação,
envolvem o entrelaçamento de diversos ramos do conhecimento
científico a fim de se chegar a não uma, mas a várias respostas
que no seu conjunto explicam o surgimento da vida na Terra. Sim, a
resposta final envolve um conjunto de fatos que ao meu ver sempre
foram tratados individualmente. No máximo alguns deles, mas
insuficientes, foram reunidos na tentativa de se resolver o problema,
em obras incompletas quanto às principais linhas de pesquisa
necessárias para tamanho empreendimento.
Esse entrelaçamento de informações é comum nas
disciplinas atuais. A condução de impulsos elétricos em nossos
nervos, na visão microscópica do fenômeno, vem de estudos da
Física relacionados com as estruturas dos tecidos que o realizam. Se
você quiser saber porque certos peixes são luminescentes, faz-se
necessário entender a física quântica envolvida nas reações
químicas no interior destes pequenos animais marítimos. Em algumas
universidades já existem trabalhos e pesquisas interdisciplinares
tomando forma como novos ramos da Ciência. A Biofísica é um
exemplo, sendo já há décadas uma matéria dos cursos
universitários. Os modelos matemáticos baseados no funcionamento
dos neurônios do cérebro, as redes neurais, aonde se tem
aplicações práticas desde a Engenharia até a Medicina, constituem
um verdadeiro avanço de técnicas computacionais envolvendo diversas
áreas. A verdade é que só uma Ciência não é suficiente, às
vezes, para se analisar e compreender um fenômeno natural.
Só com o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia,
principalmente nos últimos cem anos, e mesmo assim dependendo de
descobertas e teorias bem antigas, é que foi possível ao homem
chegar ao século vinte e estudar com propriedade o assunto da origem
da vida.
Primeiro vou introduzir alguns conceitos sobre como é
definida, tratando dos problemas envolvidos nesta definição. Depois
focalizarei algumas noções sobre a Teoria dos Sistemas. Qualquer
ser vivo, inclusive nós, é um sistema. Não é coincidência
quando, ao referir-mos sobre o nosso aparelho circulatório, podemos
colocar a palavra sistema no lugar de aparelho. Mas, será algum
demérito ou desvalorização para o ser humano considerá-lo como
um sistema? Devido ao cérebro que possui o homem é o sistema mais
complexo do universo e carrega consigo aquelas características
encantadoras como o conjunto dos sentimentos, inteligência e
consciência que o fazem uma criatura especial diante de todo o resto
das espécies de seres do planeta. Sistema é apenas o modo como a
Ciência considera o conjunto de partes dos objetos, animados ou não,
detentores de propriedades das quais a matéria é o suporte básico,
e por isto não devemos nos preocupar com este enfoque científico do
qual fazemos parte.
A partir de mecanismos compreendidos pela Teoria dos
Sistemas e com a ajuda da Estatística poderemos ter uma noção de
como havia tempo e condições para a natureza lentamente executar
seus "planos", com base nas leis da Física e da Química,
e fazer com que a vida aparecesse em todo o seu esplendor e
abundância na Terra. A Estatística quase nunca é citada nesses
assuntos mas a sua presença em um livro deste se torna fundamental
e, portanto, alguns de seus conceitos serão muito úteis para nós.
Por fim, a Astrofísica, um ramo da Física que estuda os fenômenos
físicos dos corpos estelares, nos ensina como surgiram os átomos e
moléculas que determinaram o aparecimento de compostos de carbono
como os aminoácidos e as proteínas, os principais componentes
materiais dos seres vivos. Estudar a origem da vida é também tentar
compreender como surgiram as bases, os alicerces materiais de sua
estrutura.
1
– Ciência, Filosofia e Religião
A questão da origem da vida na Terra é um dos maiores
mistérios da Ciência que o homem enfrentou em toda a sua história.
Mais ainda, envolveu a Filosofia e a Religião, na qual esta última
apoiou-se em crenças onde um ou mais entes divinos interferiram,
diretamente ou não em nosso planeta e fizeram com que a vida
surgisse com propósitos talvez inquestionáveis. Esta é uma visão
muito comum para as pessoas pois o ser humano é dotado de um forte
sentimento de religiosidade. Certamente, nas dezenas de milhares de
seitas ou religiões criadas pelo homem na sua história existem
dogmas estabelecendo como não só a vida mas também como o nosso
universo surgiu.
No cristianismo, precisamente no Gênese do Antigo
Testamento da Bíblia Sagrada, Deus cria o céu e a Terra
significando o surgimento de todos os elementos materiais de nosso
universo, ele próprio, evidentemente. Depois cria os seres vivos
tendo o homem como Sua “obra” principal, que haveria de
predominar sobre todos os outros seres, aquáticos, aéreos e
terrestres. No hinduísmo a entidade divina Brahma, surgido do deus
Vishinu, é o criador de vários mundos sendo o nosso apenas um
dentre tantos. De Brahma aparecem todas as coisas, animadas ou não,
a matéria e a vida. Apesar de algumas similaridades sobre a Criação,
essas duas religiões, as que possuem o maior número de adeptos em
todo o mundo, são incompatíveis entre si na medida em que uma é
monoteísta e a outra não, sendo isto considerado como uma grande
diferença para qualquer conjunto de correntes religiosas.
Não entrarei em maiores detalhes sobre o assunto mas
daí dá para se perceber como existe uma imensa relatividade no
tocante a conceitos e princípios no que diz respeito aos temas
ligados à criação do mundo vivo e do inanimado. Essa relatividade,
essa diferença entre as religiões pode ser compreendida porque elas
se apoiam basicamente nas “verdades reveladas”, aonde estas não
necessitam de comprovações pois são objetos do lado emocional ou
espiritual de quem as concebe, e, também, da aceitação ou não por
parte das pessoas através das suas crenças e da fé que possuem.
Seria
uma atitude correta se perguntássemos qual dos dois, cristianismo ou
hinduísmo, estariam com a razão sobre o aparecimento da vida e do
Universo?
E comparadas com aquela singela crença indígena na qual o Sol teve
como filhas a Lua e a Terra para com isso criar tudo o que existe na
natureza, inclusive as florestas que tantas dádivas forneciam aos
seus habitantes? Tribos permaneceram milênios, transmitindo de pai
para filho ensinamentos baseados nessas crenças, sem sequer tomar
contato, com qualquer parte de textos sagrados conhecidos por nós,
e defenderam até com as suas vidas esses valores que um dia a nossa
história iria registrar como apenas mais uma forma de crença. Seria
até ridículo falar em tribos indígenas enquanto o hinduísmo e o
cristianismo somam juntas quase dois bilhões de seguidores em todo o
mundo? Não. A fé de um simples nativo pode ser tão grande quanto a
de um grande sacerdote de qualquer igreja.
Na
verdade, análises de quem está com a razão para assuntos deste
tipo não merecem maiores preocupações porque não cabe dizer quem
está certo ou não quando o assunto envolve nossos sentimentos,
nossa capacidade de sentir o mundo de maneira muitas vezes diferente
de outros povos ou pessoas. O homem de qualquer ponto do planeta tem
sim uma bagagem em sua formação cultural e religiosa agindo e
moldando a sua personalidade desde quando criança. Todos são
doutrinados a aceitar uma ou outra corrente religiosa, geralmente
aquela predominante em seu ambiente social.
A visão
da Ciência, seus métodos de trabalho, por outro lado, não se deixa
influenciar pelos nossos sentimentos. Ela é assim, sua natureza é
assim. Seu método, o método científico, consiste em observar a
natureza e, ao se deparar com um problema, reunir informações sobre
o assunto, formular hipóteses para tentar resolvê-lo e, por último,
realizar experiências
na
tentativa de verificar se as hipóteses estavam corretas. Daí se
tiram conclusões as quais poderão levar a alguma teoria. Pode-se
ver que a Ciência se apoia fundamentalmente na razão, ao contrário
dos sentimentos, das crenças, nos quais se apoiam as religiões.
Temos então duas coisas totalmente opostas, separando a
Ciência da Religião, já no princípio de qualquer discussão entre
elas: a razão e os sentimentos, determinando entre outras coisas uma
acirrada disputa pelas "verdades" acerca de nosso universo.
E, apesar de muitas tentativas no sentido de aproximar uma da outra,
ainda o homem se sente dividido quando o assunto envolve a Criação.
Para muitos algo de divino necessariamente interveio em nosso planeta
para que a vida pudesse aflorar em sua esplendorosa variedade de
formas, comportamentos, cores e funções. Esta concepção é a
chamada Teoria da Criação Especial e seus adeptos são os
criacionistas. Para eles a vida surgiu diretamente através do
Criador ou em etapas, uma para cada nova espécie no planeta.
A Ciência não pode se valer de entes sobrenaturais,
criadores de espécies vivas. Ela tem que procurar elementos na
natureza e estudá-los a fundo até chegar a alguma conclusão sobre
o problema. Isto choca aqueles devotados à Teoria da Criação
Especial, pois acham uma intromissão da Ciência em assuntos já
resolvidos por eles e também uma prepotência ao tentar os
cientistas em dizer a verdade sobre a Criação utilizando métodos
racionais.
Na realidade, vivemos entre dois mundos em nossa mente
que talvez nunca serão compatíveis: o emocional e o racional. Uma
limitação de nosso cérebro de onde vêm conflitos muitas vezes
insolúveis e ridículas indagações acerca da Criação. Perguntar
qual o propósito da existência de tudo que vemos em nosso universo
ou o porquê de um deus criar formas de vida é misturar essas duas
faces de nossa natureza. Veja o significado da palavra "porque".
Ela é usada em nosso modo racional de procurar entender as coisas,
mas para as nossas concepções religiosas devemos sim voltarmos aos
nossos sentimentos. É aí que reside o problema de se fazer uma
pergunta errada no lugar errado. O problema então seria ao que
devemos dar mais importância e isso fica para os nossos valores e
para a consciência de cada um.
Mas, a intenção deste livro é conduzir o leitor aos
fatos descobertos pela Ciência e que elucidaram as questões
fundamentais a respeito da origem da vida.
Há muito se descobriu o que os cientistas batizaram de
Big Bang ou a grande explosão, onde se teve início o nosso universo
tal como o conhecemos hoje. Irei analisar cuidadosamente este
fenômeno mais adiante; por ora quero ressaltar que a Ciência já
consegue, com base nas leis da Física, da Química e da Biologia
explicar como “se produziu" a vida no planeta após o Big
Bang, não se necessitando com isso nenhuma intervenção divina
direta. Antes do Big Bang, e não admitindo a existência de outros
anteriores como pensam alguns cientistas, podemos falar em
interferência divina pois a questão de onde veio a matéria e a
energia de nosso universo pode ser algo realmente incognoscível.
Vale
citar uma passagem do físico britânico Stephen Hawking com o papa
João Paulo II em 1981. Em
uma audiência no Vaticano após uma conferência sobre cosmologia
organizada pelos jesuítas, Hawking, em seu livro “Uma Breve
História do Tempo”, relata que o grande chefe da Igreja Católica
fez uma observação na qual os cientistas poderiam estudar o
universo após a grande explosão, mas o momento em si deste evento
colossal fora a criação, obra de Deus e portanto não questionável.
O próprio papa admitiu o Big Bang em uma compreensão pelo menos
admirável e digna de registro em se tratando do maior líder
católico.
A Ciência coloca que após a grande explosão não fora
necessário a presença de algo sobrenatural agindo no sentido de
criar as formas de vida às quais conhecemos e como muitas pessoas
pensam que fora desse modo. Em minha opinião estritamente particular
e sem querer me aprofundar no assunto, Deus foi o responsável pela
criação da matéria e da energia, antes ou não da grande
explosão, sabendo de tudo que ocorreria até hoje. Estou me
referindo ao cristianismo, à Bíblia, e não tentarei conciliar o
fato do Big Bang com outra religião embora isto até seja possível.
O importante é tocar no ponto onde se tem o principal foco de
discórdia, de modo geral, entre a Ciência e a Religião com
respeito à Criação: a presença divina seria indispensável para
diretamente colocar a vida em nossa Terra após a presença da
matéria em nosso universo. Pode não ser desta maneira, de modo
direto.
A Ciência caminhou lentamente durante milênios para
chegar ao século vinte e explicar com suas teorias e fatos como se
originou a vida na Terra e, essa origem é, como veremos, um
fenômeno natural passível de ser entendido com base na razão. E os
cientistas podem até descobrir muitas coisas sobre possíveis fatos
ocorridos antes do Big Bang mas a noção de que um ser supremo
estaria por detrás dele não seria abalada. Para a crença não há
limites. Assim, o senso comum das pessoas sempre se voltou para, sem
elas saberem, às origens da vida após o Big Bang com a presença do
Criador.
De outra maneira a encarar as questões deste livro,
sendo agora a linha principal de minha argumentação, exalto a
capacidade do ser humano de pensar sobre o que quiser, como quiser,
se libertando de quaisquer estruturas já consagradas ou criando para
si e seus entes próximos novas maneiras de encarar seu universo, seu
mundo. Tanto isso é verdade que se criou uma disciplina completa, a
Filosofia, como aquela responsável pela busca das verdades através
da razão e da argumentação. A própria Ciência veio desta
liberdade e independência do pensar sobre o universo; para ela
criaram métodos particulares, é verdade, mas a sua estrutura se
baseia no pensamento puro, na maneira objetiva e matemática de se
trabalhar sem influência de sentimentos e emoções. E veremos que
as idéias a respeito das origens dos seres começaram em épocas nas
quais não se tinha uma Ciência e uma Tecnologia avançada como
hoje. Começou com o único recurso que os homens possuíam: o
pensar.
A Filosofia estuda os métodos utilizados por quaisquer
outras disciplinas, suas teorias, etc., tentando chegar às verdades
de nossa realidade existencial e de nosso universo, abrangendo o
estudo da razão, do pensar, tendo a capacidade de voltar-se aos
próprios elementos dos quais se vale para entender o mundo que nos
rodeia. Esta volta a si mesma, às suas estruturas, a qual pode
questionar seus próprios métodos de trabalho, mostra o potencial da
mente humana como algo possível de refletir sobre tudo e da
maneira como bem entender, o que neste caso nada mais é do que as
atividades de nossa consciência. Refletimos sobre nós mesmos e
tentamos mudar nossa maneira de agir e pensar, de ser e estar, em um
contínuo fluxo de aprimoramentos aos quais se dera o nome de
amadurecimento.
Pois sim, a Filosofia pode abranger quaisquer pontos
onde o principal objeto seja o conhecimento, a compreensão de
qualquer coisa, seja viva, inanimada, etérea ou sobrenatural. Seu
próprio nome deriva do grego “gostar da sabedoria”. O filosofo
grego Aristóteles, trezentos anos antes de Cristo, dizia que a
Filosofia era "a Ciência das causas primeiras de todas as
coisas". Ela consegue se postar diante da Religião e da Ciência
com ou sem comprometimento se as verdades de cada uma sejam, para
quem observa, absolutas ou não. Analisa a Religião do ponto de
vista da existência de Deus; é a Teologia. Estuda e discute a
existência ou não de Deus baseando-se nas Revelações dos Livros
Sagrados: a Bíblia, os Vedas do hinduísmo, o Alcorão do islamismo
de Maomé, o Torah do judaísmo, etc. É a Teodicéia. Com a Ciência
ela estuda, questiona os seus métodos, está por detrás de seus
conceitos mais avançados ou mais simples, antecipa certas
descobertas ao se refletir sobre o que existe e o que pode existir a
partir daí; é a dedução, estudada na Lógica, outra de suas
divisões. E a partir de um conceito singular pode estabelecer
regras ou proposições mais gerais; é a indução, o contrário da
dedução. Suas divisões são várias e não entrarei em detalhes
aqui; basta saber, já de imediato, que foi com a Filosofia que todas
as ciências tiveram origem, sendo talvez a Astronomia uma das
primeiras, aparecendo na Grécia antes de Cristo .
Assim, nota-se que o homem sempre buscou conhecer as
verdades a respeito do conhecimento muito antes de aprimorar a
tecnologia tanto necessária hoje em dia para se chegar a descobrir o
que só é possível através dela. Ele começou a usar desde o
princípio a única ferramenta que dispunha: o seu pensar. E não
fora diferente com respeito às origens da vida. Mesmo antes de
Cristo, praticamente seiscentos anos antes de seu nascimento, os
filósofos jônicos da Grécia antiga, sem nenhum conhecimento de
biologia ou bioquímica diziam que o sol, o calor e o ar eram os
agentes onde no lodo do mar a vida teria surgido. Alguma coisa isso
tinha de verdade... Séculos depois, Aristóteles, com toda a sua
autoridade em filosofia, já afirmava que os organismos vivos
poderiam surgir da matéria inerte. Muitos adotavam essa linha de
raciocínio mas introduziam conceitos divinos, principalmente na
Idade Média para não se chocarem com os dogmas rígidos da Igreja
onde não se permitia, e isso até hoje, falar em vida mencionando
somente as leis naturais.
Nessas épocas aonde não se tinha como estudar as
origens dos seres com conhecimento e instrumentos adequados, figurou
durante muitos séculos a Teoria da Geração Espontânea ou a
Abiogênese, segundo a qual mesmo animais como mamíferos e aves
surgiam espontaneamente da matéria bruta. Verdadeiros delírios se
configuravam nas mentes das pessoas que acreditavam até em pássaros
aquáticos surgindo no fundo de lagoas, árvores dando origem a
pássaros, ratos nascendo de restos de roupas e comida. Mesmo assim
alguns homens, realizando experiências simples, tentavam provar o
absurdo desta teoria.
O médico italiano Francesco Redi, no século XVII,
fechou com gaze um vidro contendo carne demonstrando serem os ovos
das moscas as responsáveis pelas larvas que tanto apareciam nas
carnes em putrefação. Mas, no mesmo século, logo após a invenção
do microscópio, o holandês Anton van Leeuwenhoek descobriu alguns
microorganismos presentes na matéria orgânica e muitos argumentaram
serem esses pequenos seres vivos oriundos de forma espontânea como
na Abiogênese. E se eles surgiram espontaneamente, nada impediria
que outros mais desenvolvidos poderiam ter a mesma origem. As
conclusões das experiências de Redi ficaram desacreditadas mas um
padre italiano, Lazzaro Spallanzani, um século depois, argumentou
que mesmo esses microorganismos eram provenientes de outros através
de simples reprodução e não de aparição direta da matéria
bruta. Ele submeteu diversas infusões com microorganismos ao
processo de esterilização e mostrou que nenhum micróbio novo
aparecia nesses experimentos. Mesmo assim os adeptos da Abiogênese
se defenderam, principalmente o biólogo francês Buffon e o clérigo
escocês Needham, alegando a destruição de um princípio ativo
quando da esterilização. Esse princípio ativo seria uma espécie
de força vital a qual ativava a matéria e surgia daí uma nova
teoria conhecida como Teoria da Força Vital.
Essas
polêmicas se havia ou não uma força criadora por detrás da
matéria inanimada, a Teoria da Geração Espontânea, a Teoria da
Força Vital, levou a Academia Francesa de Ciência, em 1860, a
oferecer um prêmio a quem resolvesse o assunto esclarecendo o que,
afinal, ocorria com a matéria nessa estranha propriedade de promover
repentinamente o aparecimento de seres vivos.
O químico francês Luis Pasteur, no século XIV, foi
quem havia demonstrado que a fermentação é causada pela ação de
microorganismos; sua linha de pesquisa fazia dele o homem certo para
receber o prêmio e, assim, se empenhou neste trabalho primeiro
provando a existência de microorganismos no ar. Isto já seria,
provavelmente, um indício de que esses micróbios impregnariam
qualquer porção de matéria orgânica em decomposição como nas
experiências de Leeuwenhoek. Pasteur verificou que substâncias
orgânicas após serem fervidas continuavam capazes de abrigar muitos
microorganismos provando ser a força vital, se realmente existisse,
uma propriedade não afetada pelo calor. Em primeiro momento esta
descoberta parecia corroborar com a Abiogênese mas, com um final
digno de um grande pesquisador, ele mostrou que se mantivesse
condições apropriadas para não se contaminar uma solução
previamente esterilizada e devidamente acondicionada, não apareceria
nenhum tipo de organismo vivo em seu interior. O processo utilizado
por ele fora o aquecimento e depois o resfriamento de caldo de carne
com extratos de frutas e que passou a se chamar pasteurização pois
conserva os alimentos por um longo período de tempo. Foi um golpe
definitivo na Teoria da Geração Espontânea pois ficou demonstrado
a incapacidade da matéria bruta gerar a vida de uma hora para outra.
As pesquisas de Pasteur levaram-no a ganhar o prêmio em 1862 e, se
um passo fora dado ao esclarecer a não validade da Geração
Expontânea, por outro lado deixou em aberto as questões acerca das
origens da vida.
Três
anos antes, o cientista inglês Charles Darwin publicava "A
Origem das Espécies", um marco na Biologia e uma das obras mais
importantes da história da Ciência. Ele estabelecia a Teoria da
Evolução, através da qual os seres vivos mais adaptados ao seu
meio ambiente sobrevivem às mudanças desse meio e passam suas
características "adaptativas" principais aos seus
descendentes. Estes então prosseguem se multiplicando e gerando uma
nova espécie àquele novo meio ambiente. Os menos favorecidos, menos
adaptados, são fadados a desaparecerem neste processo chamado por
Darwin de seleção natural.
A
Teoria da Evolução veio como uma resposta de como a vida se
transforma continuamente se concebendo novas espécies. Darwin tratou
da evolução em um ponto de vista macroscópico e não de sua origem
em si, a microevolução, falando de espécies de animais e plantas,
inclusive o homem, que para ele descendia de parentes dos símios.
Fora ridicularizado e até hoje sua teoria é, no mínimo, mal
interpretada e mal ensinada.
O
século vinte se aproximava e com ele todo o avanço da tecnologia
que gerou os conhecimentos necessários para a microevolução ser
compreendida.
2
- O que é a vida?
Esta
é uma pergunta onde muita gente se embaraça ao tentar respondê-la.
Fácil é pensar em algumas plantas, em animais como um cão ou um
elefante e, mesmo em nós. Ao ver uma estrutura que se locomove por
si só, não necessitando de qualquer coisa para ajudar, pensamos
logo em ser um organismo vivo. Mas a maioria das plantas não se
locomovem; daí apelamos para a sua estrutura, formato, se possui
folhas ou caule, etc. Sempre tomamos como referencial alguma
característica a qual os seres vivos, em geral, possui. O movimento
é uma delas, mas existem alguns parâmetros principais que no seu
conjunto podem indicar se um ser é vivo ou não e a organização é
um deles. Tanto isso é verdade que ao vermos uma bactéria ao
microscópio ou em uma fotografia logo reconhecemos como algo
diferente dos seres inanimados. A forma, os detalhes da estrutura,
tudo é mais complexo e diferente. Outra característica fundamental
dos seres vivos é a capacidade de permitir a entrada de substâncias
em seu interior e expulsar aquelas as quais são o resultado do
processo que fornece energia e matéria para continuarem vivos. É o
metabolismo. Estamos falando da respiração, com a devida expulsão
de gás carbônico e retenção do oxigênio, e da digestão, onde se
ingere diversas substâncias químicas para se obter aquelas
necessárias ao organismo. A reprodução é outra característica
marcante da substância viva. Se partimos da respiração, digestão,
reprodução e excreção temos uma boa chance de acertarmos se algo
é vivo ou não. Poderíamos falar ainda em adaptabilidade, evolução,
sensibilidade, etc., mas classicamente essas quatro funções são
suficientes para nós embora exista alguma arbitrariedade nesta
definição quando um organismo apresenta um número menor delas.
O caso mais comum para exemplificação são os vírus.
Causadores de cerca de 60% das doenças infecciosas no homem como a
gripe, o sarampo, o herpes, a AIDS, etc., eles são compostos de uma
capa ou envoltório, o capsídio, encerrando uma molécula de
DNA(ácido desoxirribonucleico), a fantástica molécula detentora de
todas as informações para a "construção" de um novo ser
vivo, ou o RNA(ácido ribonucleico), a molécula sintetizadora de
substâncias na célula, mas nunca ambos. Esse envoltório é
constituído de proteínas e em alguns deles ainda existe uma
membrana de proteína e gordura como uma segunda capa englobando todo
o corpo viral. Eles se reproduzem mas não se alimentam, não
respiram e nem excretam; ao penetrar em uma célula eles se dirigem
ao DNA e fazem com que este material genético realize diversas
cópias idênticas de si para se reproduzirem. Reside aí o seu
potencial patológico nefasto pois a célula será destruída e o
tecido ao qual pertence estará comprometido e por isto são
extremamente dependentes das células às quais invadem pois sem elas
não haveria chances de reprodução. Pela sua simplicidade
organizacional e funcional, pois só se reproduz, o vírus não é
considerado um ser vivo situando-se talvez entre os seres inanimados
e animados: um conjunto de moléculas capazes de fabricar cópias de
si mesmo. Outro exemplo é o micoplasma. Considerado um dos menores
seres vivos conhecidos, é muito primitivo e não possui núcleo. É
o causador da pleuropneumonia, sendo constituído de uma membrana
limitante contendo proteínas, ribossomos e ácidos nucléicos - DNA
e RNA. Como os vírus, precisam do material genético de outras
células para reproduzirem comprometendo o perfeito funcionamento
destas hospedeiras às quais servem apenas de um meio para sua
reprodução, mas retiram do meio ambiente certos materiais
necessários ao seu metabolismo, sua “alimentação”. Eles são
bem mais complexos que os vírus possuindo a capacidade de digerir
alimentos, excretar e reproduzir-se e seu metabolismo é limitado à
digestão. Essa complexidade já é suficiente para os cientistas
considerá-lo como ser vivo mesmo com o seu metabolismo limitado à
digestão.
Já as células entram na definição de seres vivos do
parágrafo anterior. Foram descobertas em 1667 pelo inglês Robert
Hooke quando examinou amostras de cortiça ao microscópio. É a
menor unidade viva dos seres vivos; a unidade básica. O primeiro ser
vivo a surgir no planeta foi, com certeza, algo muito parecido com
esta pequenina e eficiente máquina vital. De dimensões variadas,
cerca de dois milésimos de milímetros para células do tecido
humano, passando pela polpa da laranja e do limão onde atingem cinco
milímetros, até a gema de um ovo de avestruz do tamanho de uma
maçã, elas se dividem em procariotas e eucariotas. As primeiras,
representadas pelas bactérias e algas verde-azuladas, são aquelas
desprovidas de estruturas internas, as organelas, comuns às
eucariotas como as mitocôndrias, lisossomos, complexo de golgi,
cloroplastos, etc. Pela sua simplicidade estrutural as procariotas
foram provavelmente os primeiros seres vivos a surgir na Terra. Algas
verde-azuladas aparecem como fósseis em rochas de três bilhões de
anos atrás e durante outros dois bilhões de anos permaneceram como
os indivíduos mais complexos a povoar nosso planeta. Existem seres
vivos os quais são constituídos de uma só célula, sendo esta
então o próprio organismo vivo auto-suficiente, possuindo vida
independente. São os chamados organismos unicelulares. Exemplos são
a ameba, a euglena e o paramécio. Seres pluricelulares aparecem de
diversos tamanhos, indo desde um pequeno inseto a uma baleia azul de
vinte e cinco metros de comprimento.
De formas diferenciadas, as células podem se apresentar
esféricas, em forma de bastão, retangulares, espirais, etc., onde
suas posições no ambiente na qual vivem também variam. Umas se
movem dentro de seus “habitats” para realizarem suas funções:
as hemácias do sangue transportam e suprem de oxigênio os corpos
dos animais superiores como mamíferos, aves, etc. Ainda existem
aquelas onde vivem presas aos tecidos aos quais realizam funções
específicas: as células dos órgãos dos animais, das folhas das
plantas, caules, etc. Mais complexa em funcionamento que muitas
indústrias nas quais temos conhecimento, ela produz substâncias
específicas para o tecido e, consequentemente, ao órgão ao qual
está inserida. O estômago produz diversas substâncias como a
pepsina a literalmente quebrar moléculas proteicas para nossa
digestão.
Uma célula eucariota de um animal ou vegetal é
composta basicamente de três partes: membrana, citoplasma e núcleo.
A membrana, além de não permitir a dissociação dos elementos e
substâncias da célula para o meio circundante, atua como um
importante meio regulador de entrada e saída de materiais úteis
indispensáveis à vida da célula. É um órgão seletivo. O
citoplasma contém diversas estruturas como as mitocôndrias, a
substância de Golgi, o retículo endoplasmático, os lisosomos e os
ribossomos. As mitocôndrias, em forma de salsichas alongadas e de
tamanhos da ordem de três milésimos de milímetro, são os
elementos do processo tão comum que é a respiração, onde se
consome oxigênio para a produção de energia. Sim, quando
respiramos são elas quem trabalham incessantemente nesta função
indispensável às nossas vidas. Ao mover, por exemplo, qualquer
músculo de seu corpo, elas é quem primeiro realizaram o papel
principal deste ato ao quebrar as móleculas de ATP, abreviatura de
trifosfato de adenosina, as quais liberam energia ao reagirem com uma
enzima específica para esse trabalho. Na verdade, substâncias
orgânicas energéticas como a glicose são primeiramente decompostas
em regiões específicas das mitocôndrias, chamadas de câmaras
centrais ou internas, e transformadas em ATP, às quais serão
utilizadas posteriormente. Essas usinas energéticas deixam longe, em
falando de conversão de matéria consumida em energia, qualquer
máquina construída pelo homem. Seu rendimento é de quase cinqüenta
por cento enquanto uma locomotiva não chega a dez por cento.
Presente em todas as células, exceto nas algas azuis e nas
bactérias, as mitocôndrias, segundo uma recente teoria, eram seres
bacterianos simbióticos os quais penetraram em células comuns e
passaram a viver em cooperação mútua, onde, naturalmente ambos,
simbionte e anfitrião, obtiveram vantagens desta relação. Elas não
têm posição específica ou regular nas células, com algumas
exceções, e por isso acham-se submersas e livres dentro do
citoplasma celular com seu número variando de milhares a dezenas de
milhares de indivíduos. Possuem duas membranas seletivas,
semipermeáveis, uma interna, já mencionada, demarcando uma região
chamada de câmara interna ou central e outra externa também
delimitando uma câmara, cada qual realizando suas próprias funções.
A externa conduzindo enzimas para dentro e a interna, como vimos,
decompondo material energético. Os lisossomos são estruturas na
forma de vesículas contendo poderosas enzimas que atuam na digestão
em células animais, decompondo grandes moléculas de proteínas e de
lipídios e destruindo corpos estranhos à célula. O complexo de
Golgi é uma espécie de recipiente no formato de discos achatados e
lisos onde as proteínas são armazenadas para posterior secreção.
O retículo endoplasmático é um sistema de pequenos canais de forma
chata e alongada para transporte de substâncias no interior celular.
Os ribossomos são os elementos onde são sintetizadas as proteínas.
De formato granuloso ou esférico, muitos estão presos ao retículo
endoplasmático e outros flutuam livremente dentro do citoplasma. São
constituídos de proteínas e RNA - ácido ribonucléico e chegam a
ser centenas de vezes menores que uma célula, sendo visíveis apenas
ao microscópio eletrônico, mas seu número pode atingir de milhares
a dezenas de milhares. Por fim, os cloroplastos das células
vegetais, que são pequenos glóbulos onde as moléculas de clorofila
captam a luz solar para converterem bióxido de carbono e água em
açúcar e oxigênio na famosa reação química das plantas, a
fotossíntese.
O núcleo é o local onde se encerra o material
genético, o DNA, o qual, além de transmitir as características
físico-químico dos genitores aos descendentes, atua como um
gerenciador na produção de substâncias essenciais à vida da
célula e ao tecido do qual é parte. Foi o bioquímico americano
James D. Watson e o bioquímico inglês H. C. Crick, os responsáveis
em 1953 pela descoberta do formato espiral da molécula de DNA e de
seu papel transmissor de caracteres genéticos. Constituída de
açúcares, fosfatos e de quatro bases nitrogenadas, adenina,
timina, citosina e guanina, ela simplesmente encerra em si todas as
informações sobre como será fisicamente o novo indivíduo a
nascer. Sua cor da pele, olhos, cabelo, etc., e toda a sua estrutura
interna detalhadamente, desde a composição química de uma célula
do intestino até a disposição espacial dos órgãos como coração,
fígado, pulmões, etc. Nos animais superiores como nós o DNA
determina parte da personalidade, caráter e outras características
comportamentais. É por isto que muito do nosso jeito de ser, não
totalmente é claro, se parece com nossos pais e talvez quase a
metade de nós já estaria programada antes de nascermos. A outra
porção viria das influências do meio ambiente no qual vivemos.
Ele então comporta a “planta” estrutural e funcional dos seres
vivos. Suas bases nitrogenadas ligam-se umas às outras de forma
peculiar: adenina somente a timina e citosina apenas a guanina.
Formam uma seqüência de pares unidos e sustentados nas extremidades
pelos fosfatos e açúcares como degraus ligados aos corrimões de
uma escada. Uma escada emaranhada dentro do núcleo celular. Essa
seqüência é o código no qual as informações são “guardadas”
para a construção de um novo indivíduo e sua quantidade varia de
espécime para outro. Um vírus contém cerca de 150.000 e tudo
indica que a complexidade do ser vivo e o tamanho da própria
molécula de DNA estão relacionados. Assim, uma bactéria, com sete
milhões de degraus possui um DNA, se pudéssemos estirá-lo, de
cerca de seis centésimos de milímetro; uma estrela-do-mar trinta
centímetros; um pássaro sessenta centímetros e o homem de mais ou
menos um metro e cinqüenta centímetros, contendo por volta de seis
bilhões de degraus.
A
seqüência das bases nitrogenadas do DNA é dividida em grupos
denominados de genes, sendo os responsáveis pelas características
biológicas e funcionais dos seres vivos. Eles formam os cromossomos
os quais no ser humano são em número de quarenta e seis.
Cada gene é posto a trabalhar para determinadas situações; a
hemofilia, doença caracterizada pela incapacidade do sangue das
pessoas fabricarem coagulantes suficientes para a cicatrização de
ferimentos, aparece nos indivíduos que não possuem o gene
específico para isso.
Quando
disse no parágrafo anterior em cor de pele, olhos, etc., me referia
aos genes determinantes dessas características. Trabalhar com eles
resultou em uma nova Ciência, a Engenharia Genética, a mais
polêmica disciplina criada pelo homem do ponto de vista da moral e
da ética porque, se de um lado ela nos ajuda a curar ou prevenir
doenças hereditárias, fabricar substâncias só possíveis pela
manipulação de genes, por outro mexe em questões de difícil
aceitação como a clonagem de seres humanos ou programação, ainda
que pequena, de caracteres em bebês recém nascidos
Os
genes organizam a síntese de proteínas no interior da célula a
partir da molécula de DNA do núcleo e de moléculas de RNA que se
dividem em RNA ribossômico, mensageiro e transportador. O primeiro
entra na composição do ribossomo, o mensageiro é o responsável
pela codificação da planta estrutural da proteína a ser produzida
e é fabricado pelo DNA no núcleo e o RNA transportador é aquele
onde os aminoácidos são levados aos ribossomos para se agregarem na
forma que o mensageiro especificar. A fabricação de uma proteína é
uma verdadeira ação automática como em uma linha de montagem
industrial na qual as peças vão se encaixando uma por uma. O RNA
transportador carrega consigo aminoácidos que se encaixam ou se
ligam ao mensageiro e, sendo este uma cópia de parte do DNA, um
gene, ao final da tarefa uma proteína idêntica a este gene será
produzida. Tudo se processa como em uma indústria automatizada: a
informação do produto final, qual seja, está codificada e seus
elementos constituintes vão sendo trazidos até completá-lo. Este
é o caráter do DNA, um gerenciador químico de produção para as
substâncias não só da célula mas para o tecido ao qual pertence
irrigando o órgão respectivo a este tecido. A insulina no pâncreas,
a bílis do fígado, os ácidos digestivos do estômago, todos
fabricados mediante as informações contidas no DNA de cada célula
desses órgãos.
O DNA para a história da Ciência
é algo novo e revolucionário; ele colaborou com o ponto de vista
mecanicista da organização do ser vivo, pois comanda as atividades
celulares como um programa enviando ordens aos subsistemas
subordinados a ele. Não se sabe se foi incorporado às células ou
se a partir dele é que elas começaram a se organizar; de qualquer
maneira, se um indivíduo está para nascer é necessário uma
"planta" determinando como será a sua estrutura e seu
funcionamento baseado nos componentes desta estrutura, as relações
químicas e físicas entre eles e por isto que um defeito em um gene
fará com que o novo ser apresente uma doença, hereditária ou
genética, em alguma fase de sua vida. A diferença entre ambas está
no fato da primeira ser transmitida dos pais aos descendentes via
algum gene defeituoso que não se conserta para os descendentes, e a
segunda está relacionada a uma alteração genética na qual os pais
não tiveram culpa.
A
célula então se encaixa perfeitamente dentro da definição de ser
vivente; não é a toa que forma todos os
outros seres e algumas vezes se apresentam como um só indivíduo em
uma espécie como nos organismos unicelulares. Descobriu-se ser ela a
menor unidade viva conhecida sendo a vida um conjunto de células
com todas elas trabalhando em função do organismo, de sua
sobrevivência. Mesmo se o critério para saber se determinado
indivíduo é um ser vivo ou não, nos parece por ora até um tanto
arbitrário, devemos nos concentrar na busca de um entendimento de
como ela "funciona" ou se organiza em suas funções para
daí termos uma compreensão do que é a vida. E veremos que é
justamente a partir de sua estrutura o caminho no qual se
compreenderá as origens da vida.
3 – Sistema
Sistema pode ser considerado como um meio, modo ou
método de se trabalhar. Nos preocuparemos aqui com outra definição:
consideraremos sistema como um conjunto de objetos ou entidades
unidos por relações de interdependência e interações entre si,
sendo fundamental analisar essas relações, os padrões presentes
nas interações de seus componentes, e, também, em uma espécie de
finalidade no conjunto visto como um todo, o seu comportamento. Assim
nasceu a Teoria dos Sistemas, uma disciplina independente devido
justamente ao fato de que sistema está ligado a várias ciências,
com conceitos aplicáveis a todas elas. É uma maneira de encarar
problemas específicos de cada uma, utilizando métodos próprios,
pois estamos falando de algo que existe por detrás de tudo que
existe na Natureza. Sem nenhuma pretensão em dizer isto porque, como
mencionei no capítulo anterior, nosso universo é constituído de
sistemas ligados a sistemas, cabendo aos cientistas a missão de
desvendar suas relações, os padrões presentes nas
intercomunicações entre eles.
Sistemas
podem ser partículas
trocando energia entre si e formando estruturas como um átomo,
composto basicamente por prótons, elétrons e nêutrons. Uma
molécula também o é. Organismos animados, um computador, uma
comunidade de pessoas, a economia de um país, entram neste conceito
Ao se observar um fenômeno não
compreendido da natureza nós tentamos alcançar algumas respostas
sobre ele através do método científico. Até uma teoria pode
surgir das conclusões tiradas desse problema. Isso já vimos, mas, o
fenômeno ocorre em um contexto material ou local, "um lugar",
constituído de partes conectadas e atuantes entre si. Este conjunto
de partes são os sistemas que estudamos. Nós acabamos por
abstraí-los e os colocamos no papel a partir de observações
empíricas e estudamos as conseqüências que podem ocorrer se
mudarmos algumas condições ou variáveis. Um caso famoso para
exemplo, lenda ou não, fora a observação do grande físico e
matemático inglês Isaac Newton, de uma maçã caindo de sua árvore.
Ao indagar do porquê a maçã não voltava para cima, que tipo de
força estaria prendendo esse fruto no chão, ele abstraía um
sistema constituído da Terra e da maçã com uma força interativa
entre ambas. A famosa lei da gravidade estava começando a surgir.
Mas não só de abstrações para
o papel é que os cientistas se empenham: existem muitas variações
nesse método de trabalho. Pode-se ver uma máquina funcionando e se
ter uma idéia direta de como mudá-la para se conseguir outros
efeitos; pode-se colocar um conjunto de fórmulas da Física e da
Matemática no papel e transformá-las para se obter uma teoria que
somente anos mais tarde irá ser comprovada nas experiências em
laboratório. Foi o que aconteceu com a Teoria da Relatividade do
físico alemão Albert Einstein. O que não muda é o fato das
formulações matemáticas e físicas, ou de qualquer outra Ciência,
expressarem, em última instância, as características e o
comportamento de um sistema ou um conjunto deles.
Na
concepção da natureza dos sistemas existem muitas variações de
tamanhos, de complexidade, onde os cientistas chegaram a classificar,
por exemplo, a engrenagem de câmbio de um automóvel como um sistema
simples, um computador como complexo e a economia de um país e o
cérebro humano como extremamente complexos.
Uma diferenciação entre eles seria na maneira determinística ou
probabilística de suas naturezas. A engrenagem de câmbio seria
determinístico, pois é possível prever como as suas partes se
encontrarão após uma mudança de marcha. No cérebro humano não
conseguiremos saber, a não ser estatisticamente, que comportamento
ele proporcionará a uma pessoa após determinado estímulo.
Por extensão da própria
definição de sistema dada no primeiro parágrafo, o foco de atenção
sobre um objeto, ao analisarmos seu comportamento, nos revela ser de
grande importância quando queremos definir sua complexidade. Assim a
caixa de câmbio de um automóvel é um sistema simples quando
observamos os movimentos de suas partes macroscópicas. Mas se
quisermos pensar em sua composição física com respeito ao
movimento vibracional de suas moléculas ele se torna algo
extremamente complexo.
Vários problemas estão presentes
aos estudos dos sistemas. O relacionamento entre as entradas ou
estímulos com as reações de saída, ou comportamento, poderá nos
proporcionar informações importantes sobre eles. Este
relacionamento, quando possível, se dá na forma matemática e a
comparação de comportamentos entre quaisquer sistemas mostrará o
quão equivalentes eles são. A formulação matemática será linear
ou não linear, probabilística, com variáveis discretas,
dependentes do tempo, etc., de acordo com a natureza do quê se está
estudando. A otimização é outro problema importante com o qual os
cientistas se deparam, pois se deseja sempre buscar um desempenho
próximo do ideal para se ter mecanismos com maiores rendimentos com
um mínimo de consumo de energia.
Um problema interessante é aquele
onde um cientista observa um comportamento desejado quando se aplica
determinadas entradas, tendo-se assim uma relação direta entre
esses dois conjuntos como se estivesse trabalhando com uma fórmula
matemática. Aplica-se isto e irei obter aquilo; mudo para outro
valor e o comportamento se dará de certa maneira.
O universo é composto de inúmeros sistemas acoplados
entre si e por isto podemos transitar livremente entre eles, cada
qual mais ou menos complexo, mais amplo ou não que seu predecessor,
e até nos confundir sobre onde um termina e outro começa. Desta
maneira, temos que definir muito bem o objeto de estudo e sua relação
com o meio ambiente, tendo assim uma identificação clara de
determinado sistema para podermos estudá-lo. Essa divisão em
subsistemas de todo nosso universo mostra o quanto de dependência
existe, por exemplo, nos ecossistemas aqui na Terra, onde a
destruição ou perturbação de apenas um acarreta em danos a vários
outros. A atual preocupação mundial com a saúde do planeta, já há
alguns anos e esperamos, de vida longa, mostra como o homem está
tomando consciência de fatos outrora só motivo de estudos em
universidades.
Como exemplos de acoplamento de sistemas temos os átomos
formando moléculas, os planetas constituindo o sistema solar, os
conjuntos de bilhões de estrelas chamadas de galáxias e os seres
vivos... Mamíferos, aves e peixes são constituídos, pensando em
escala descendente de complexidade e sem entrarmos na questão de
estruturas intermediárias, de órgãos, tecidos, células,
moléculas, átomos, partículas elementares da matéria... e cada um
destes subsistemas edificadores dos corpos destes animais possuem
propriedades próprias, características, mas contribuem eficazmente
no funcionamento e, consequentemente, na existência do todo.
Os
sistemas em sua maioria são abertos, ou seja, trocam energia,
matéria ou informação, ou qualquer combinação delas, com o meio
ambiente. O sistema fechado encerra as suas atividades em si mesmo.
Os seres vivos são sistemas abertos trocando continuamente matéria,
energia e informação com o meio e uma confirmação deste fato é
que a própria sobrevivência está diretamente ligada a isso.
Imagine uma célula não reconhecendo uma porção material venenosa
a qual penetra em seu interior. Sua membrana, ao se "enganar
achando" que este material é um alimento a fornecer energia
para a célula, estará levando à destruição todo o sistema.
Outra
classificação para os sistemas diz respeito às suas partes, se são
móveis ou não. Estáticas ou dinâmicas. Os
sólidos são estáticos. Eles ou seus componentes não escoam, não
fluem. Existe, claro, uma vibração que é inerente a qualquer
porção de matéria. O carbono de um diamante vibra como uma mola
tridimensional enquanto seus elétrons giram incessantemente ao redor
de seu núcleo. A água toma forma dos recipientes que a contém
devido à sua viscosidade, sendo esta uma das principais
características na definição de um líquido como tal. Suas
moléculas deslizam umas sobre as outras e, por efeito de forças
eletromagnéticas, não possuem energia suficiente para se
desprenderem, a menos que se forneça energia de alguma fonte como o
sol ou a chama de um gás. Quanto mais as moléculas estiverem
próximas ou submetidas mais intensamente a essas forças
eletromagnéticas, maior será a fricção entre elas e maior a
dificuldade de fluirem. Aí está a diferença entre sólido,
líquido, e também os gases. Nos sólidos a atração é suficiente
para deixar o material sem fluidez, enquanto que nos gases as
moléculas estão separadas a ponto de existir somente choques
violentos entre elas. Os líquidos e gases podem ser definidos como
sistemas dinâmicos.
O que acontece porém com os seres vivos? A matéria se
apresenta em muitos casos como sólida, mas mole, como a carne.
Possuem líquidos como o sangue dos mamíferos, a seiva dos vegetais,
e a própria água, a substância de maior presença nos corpos de
muitos organismos. Já os componentes ósseos dos animais e os caules
das árvores são duros. De maneira geral, os seres vivos são
classificados como sistemas dinâmicos porque existe um fluxo
ininterrupto de substâncias em seus corpos.
Equilíbrio
Em primeiro lugar um conceito importante aqui é o de
estado. Imagine uma esfera de metal presa ao teto por um fio.
Colocamos este pêndulo em movimento, considerando este sistema como
não tendo atrito, e determinamos suas posições, ângulos e
velocidades com o decorrer do tempo. A estas variáveis e o conjunto
de valores por elas assumidas em cada instante nós chamamos de
estado. Ele revela como o sistema se encontra no momento. O pêndulo
passará por inúmeros estados determinados por essas variáveis. Por
exemplo, velocidade nula antes de mudar o sentido de sua velocidade;
então este é o ponto, à direita ou à esquerda de quem observa o
movimento, mais alto em relação ao solo e o que possui maior ângulo
de afastamento da vertical tomada quando o pêndulo está em repouso.
Cumpre ressaltar a importância das chamadas variáveis
essenciais de um sistema que em nosso caso do pêndulo são essas
posições, ângulos e velocidades, sendo desnecessário analisarmos
sua temperatura, cor, densidade, estrutura cristalina, etc., pois,
para cada determinado fim em nossos estudos, analisamos um conjunto
específico de variáveis. Estado é uma “fotografia”, a situação
aqui e agora ,de como o sistema se encontra com relação às
principais variáveis escolhidas por nós e que o caracterizam. Este
conceito é geral podendo ser aplicado a sistemas complexos ou
simples.
Considere uma esfera no interior de uma cuia. Este é
um sistema simples formado por dois objetos e não interessará para
nós as cores, densidades, materiais que são formados, etc., como
variáveis essenciais. Nos preocuparemos com a posição da esfera.
Ela será sempre a mesma em qualquer instante se nenhuma força atuar
no sentido de colocá-la em movimento. Está em estado de repouso.
Sistema como este e um pêndulo atravessam um conjunto de estados ou
apenas um como o da esfera, os quais se repetem indefinidamente.
Existe uma trajetória percorrida pelos estados do sistema na qual as
variáveis essenciais valores conhecidos ou previsíveis. Quando isto
acontece dizemos que o sistema está em equilíbrio; estático para a
esfera e a cuia, e dinâmico para o pêndulo.
Um recipiente contendo gás está em equilíbrio
dinâmico se não altera o sistema como um todo; se a pressão e o
volume, por exemplo, permanecerem os mesmos. A instabilidade
corresponderia ao fato do sistema não possuir uma trajetória bem
definida, não previsível. Ao deslocarmos a nossa esfera
ligeiramente e a soltarmos, ela voltará à sua posição inicial.
Isto é o que se chama de equilíbrio estável. O mesmo procedimento
em uma superfície convexa resultará em movimento para longe de sua
posição inicial, tomando-se o ponto mais alto da superfície. Tal
equilíbrio é instável, ou seja, o objeto, neste caso a esfera, não
retorna ao seu ponto inicial. E por último o equilíbrio indiferente
ou neutro, no qual o objeto não retorna e nem se afasta de sua
posição inicial: a esfera colocada em pontos diferentes de uma
superfície plana sem ser impulsionada.
Se alguma força externa e no sentido lateral deslocar
por um instante o nosso pêndulo, ele mudará suas posições e
velocidades e não mais retornará àquele movimento que vinha
fazendo antes. Os ângulos com a vertical tornar-se-ão
imprevisíveis; as velocidades não terão somente o sentido na
direção da trajetória modificando por completo o conjunto das
posições deste pêndulo agora caótico. Não será mais possível
prever com fórmulas o conjunto de valores assumidos pelas suas
variáveis essenciais. Deslocamentos ocorridos para estados vizinhos,
nós damos o nome de perturbação. Perturbação é tudo que desloca
um sistema de estado a outro, de um conjunto deles para outro,
podendo levá-lo à instabilidade.
O pêndulo e a esfera no interior de uma cuia são
sistemas extremamente simples quando comparados aos circuitos de um
computador, à economia de um país ou, o que é mais relevante para
nós, aos seres vivos. Como ficam esses conceitos de estado,
equilíbrio e perturbação em sistemas complexos?
Uma
célula contém inúmeras partes e funções. Um
componente seu fabrica determinada substância em quantidade
apropriada, a concentração de materiais específicos em seu
interior permanece dentro de níveis aceitáveis devidos a mecanismos
de regulação; sua reprodução não está descontrolada como no
caso dos tumores. Cada função exige uma grande quantidade de
fatores e variáveis mas, percebe-se, estamos analisando-os em um
nível elevado de compreensão: não nos é de interesse saber qual é
a posição no espaço de algumas moléculas, como o fizemos com as
posições do pêndulo, se o objeto de atenção é saber se elas
participarão de uma reação química específica no interior
celular. Podemos sim, querer saber se esta reação é no núcleo da
célula ou no citoplasma, mas não a posição de cada uma segundo um
sistema de coordenadas cartesiano.
Esse
nível de compreensão é também entendido quando analisamos
macroscopicamente algumas funções dos seres vivos. Para um animal
respirar eficientemente é necessário que seus tecidos respiratórios
estejam bem mas, para isso, as células respiratórias deverão estar
realizando as devidas trocas de oxigênio e gás carbônico sem
maiores problemas. Veja que abaixamos de nível até chegarmos ao
equilíbrio de funcionamento das células individuais e
consequentemente no plano molecular.
Pensemos em um sistema
hipotético, constituído de um invólucro de matéria contendo dois
outros subsistemas menores, encerrados cada um dentro de outros
invólucros ou membrana. Seis reações químicas ocorrem nesses
subsistemas obedecendo a uma condição e a um ciclo, uma seqüência
característica de ocorrência: três acontecem primeiro no interior
de uma membrana para depois as outras poderem se realizar no outro
subsistema e, a partir daí, o ciclo irá se repetir. As últimas
reações, com os produtos formados pelas outras, produzem algumas
substâncias inúteis mas também substâncias de reposição de
material à membrana principal, pois senão ela se dissolveria com o
tempo destruindo todo o sistema. Ele é muito simples em comparação
com uma célula típica, mas servirá a nós para entendermos não só
os conceitos deste capítulo como muitas idéias que surgirão bem
mais à frente. O meio ambiente consegue suprir a quantidade
necessária de reagentes e os produtos inúteis são excretados ao
meio exterior, através da membrana principal.
Um
estado do sistema como um todo seria uma "fotografia", na
qual veríamos, por exemplo, as três reações iniciais acontecendo
no interior de seu envoltório. Outro estado seria as duas reações
finais do ciclo se processando enquanto o primeiro invólucro ainda
estaria longe de recomeçar as suas atividades. Veja que estado é
neste caso, uma visão macro do sistema não importando se
determinada molécula já entrou em uma das membranas, ou se outra
pode ser considerada uma intrusa, pois desconfiamos ser diferente
das demais. Evidente é a ocorrência dos acontecimentos macros
devido aos elementos que compõem o sistema, as moléculas reagentes.
Uma molécula se agrega a outra por meio de forças elétricas.
Estamos no domínio da Física. Um conjunto delas irá se reunir e
formar outras liberando, ou absorvendo calor em um fenômeno ao qual
chamamos de reação química. Passamos a outro nível, a Química.
Digamos que estas reações são aquelas do sistema acima e seus
produtos são utilizados por outro sistema vizinho, para determinado
fim. Chegamos à Biologia como o último nível.
Nada no universo está passível de permanecer sem
alguma agressão exterior e o nosso sistema celular, como passarei a
chamá-lo, obedece a esta regra implacável. De repente, uma
substância consegue penetrar no interior da membrana principal e
começa a reagir com os produtos das três primeiras reações
químicas que iriam para o segundo subsistema. Pronto, todo o
mecanismo de reposição das perdas da membrana principal está
afetado. Se pudéssemos ver a "fotografia" dos estados do
sistema, não mais encontraríamos as últimas reações se
realizando e aos poucos a membrana principal deixaria de existir e o
sistema celular se destruiria. Essa substância nova é algo que
deslocou o sistema celular de seus estados normais e ele não voltou
a funcionar como antes; é uma perturbação.
Antes de continuarmos faço aqui
uma observação a partir da Termodinâmica, o ramo da Física
responsável pelo estudo do comportamento dos sistemas, a partir dos
processos de transformação de energia, principalmente nas trocas
de calor com conseqüente realização ou não de trabalho: temos que
precisar melhor o conceito de estado e equilíbrio para organismos
vivos tomados como sistemas físico-químicos. Um sistema aberto,
como um ser vivo, não é considerado em equilíbrio porque ele troca
continuamente matéria com o exterior. Seu metabolismo, reações
químicas para obtenção de matéria e energia para uso interno,
necessita de substâncias do meio ambiente para qualquer organismo
funcionar adequadamente. Os organismos vivos são considerados em
uma situação quase estável onde se busca e sempre se está perto
do equilíbrio. Há um capítulo da Termodinâmica tratando
exclusivamente de fatos como esses, a termodinâmica dos processos
irreversíveis, onde os sistemas estudados não são como aqueles
fechados ao meio ambiente. De qualquer maneira, existem semelhanças
entre sistemas vivos e sistemas não vivos em equilíbrio.
Disciplinas como a físico-química aplicam com sucesso alguns de
seus princípios, próprios de sistemas em equilíbrio, na
fisiologia. É o caso das proporções entre o oxigênio, a
hemoglobina e a oxi-hemoglobina na respiração dos animais. Outras
aplicações incluem reações enzimáticas, fermentação,
equilíbrio eletrostático, etc. Percebe-se daí que se pode
relacionar as duas coisas, no sentido de uma fornecer instrumentos de
análise para a outra. Irei mencionar os conceitos de estabilidade e
equilíbrio, como se estivéssemos pensando em sistemas fechados.
As perturbações atuam em grande número quando
tratamos de sistemas eletrônicos e biológicos dos mais complexos,
como as substâncias nocivas que ingerimos afetando vários de
nossos órgãos internos, ou quando as variações de tensão
elétrica perturbam o funcionamento de muitos aparelhos, em uma
cidade. Nossas doenças são deslocamentos do estado de equilíbrio
de funções biológicas, no qual os medicamentos tentam
restabelecê-lo. A diversidade da natureza das perturbações e como
elas influem em um sistema são motivos para importantes reflexões
porque elas poderão ser também benéficas. A entrada de uma
substância em uma célula fará com que se destrua algum
microorganismo nocivo a ela, sem comprometer a própria vida do
sistema. Em nosso sistema celular poderia, por que não, entrar
alguma outra substância, ou mesmo já estar presente, a inibir a
atuação daquela que iria reagir com os produtos das três primeiras
reações, a tempo de se não destruir a membrana externa.
Uma das perturbações mais comuns encontradas na
natureza é o atrito. O desgaste por ele proporcionado sempre aparece
nos sistemas que estudamos, fazendo parte de todas as estruturas
universais, do próprio "funcionamento" do universo.
Importante frisar que as ciências se ocupam primeiramente com
aqueles sistemas onde o atrito não aparece, para depois verificar
como ele se comporta em situações normais com atrito ou mesmo sob
outras perturbações.
Como podemos então pensar em equilíbrio ao passarmos,
por exemplo, de um sistema sem atrito no qual chamaremos de ideal,
como o nosso pêndulo, para uma situação real? Bem, um pêndulo com
atrito, seja do ar ou no ponto onde ele se prende, irá se movimentar
em oscilações cada vez com amplitudes menores até parar. A menos
que alguma força externa o ajude em seu movimento, o atrito fará
para-lo. Na verdade, o atrito quase sempre atua no sentido de brecar
o movimento dos corpos. O pêndulo em repouso está agora também em
equilíbrio, mas as características principais no qual se estudava,
suas posições, ângulos e velocidades, não serão mais as mesmas,
mostrando-nos uma espécie de “morte” do sistema, pelo menos com
respeito a essas variáveis essenciais.
Em sistemas hipercomplexos como os seres vivos, as
perturbações também levam à destruição certas variáveis que
colocam em risco a própria vida como um todo. Uma célula possui
mecanismos para não deixar que substâncias nocivas prejudiquem seu
funcionamento, mas, com o tempo, esses agentes poderão
gradativamente, como uma lixa corroendo um metal, destruí-la.
Enquanto isso não ocorre, os mecanismos de defesa tentarão manter o
equilíbrio necessário para ela sobreviver. Dá-se o nome de
homeostasia a essa manutenção das variáveis fisiológicas
essenciais dentro de certos limites. É ela que não deixa um sistema
mudar para estados nos quais o levariam para a destruição. Nossa
regulação de temperatura corporal é um bom exemplo disso. Ela
sempre está por volta dos trinta e seis graus centígrados
independente das variações ambientais. Qualquer sistema, incluindo
os vivos, possuem um desgaste natural no qual, mesmo com mecanismos
reparadores, a morte é uma condição inevitável.
Equilíbrio
de Sistemas Acoplados
Suponhamos
um sistema composto de duas partes acopladas. Isto significa uma
condição de troca de energia, matéria e informação ou alguma
combinação das três entre si; suponhamos ainda que cada uma delas
está em equilíbrio. Segue-se que o todo também estará em
equilíbrio. Este raciocínio é válido se pensarmos no sentido
oposto: se o todo se encontrar em equilíbrio, então cada parte
também estará em equilíbrio. Se uma parte recebe um conjunto de
entradas da outra que está em equilíbrio, seu estado será sempre o
mesmo porque a primeira permanece no mesmo estado enviando o mesmo
conjunto de energia, informação e matéria. Podemos usar a palavra
estado no singular significando um conjunto deles porque a palavra
conjunto já nos dá idéia de vários elementos.
Uma perturbação, ao afetar uma das partes, poderá ou
não transmitir alguma influência à outra. Temos assim vários
casos nos quais podemos analisar. Em primeiro lugar, se não
transmitir nenhuma influência, e a perturbação for superada pela
parte em questão, o todo continuará em equilíbrio. Poderá
acontecer de transmitir pouca influência a ponto de também não
afetar, ou pelo menos, não ser por demais nocivo à sobrevivência
do conjunto. Atingindo a parte vizinha levando-a ao desequilíbrio, o
todo estará comprometido. Situações análogas acontecem em
sistemas constituídos de muitas partes.
Sistemas acoplados são quase a totalidade dos sistemas
que estudamos na prática porque é esta a natureza do nosso
universo. Sistemas ligados a sistema. Eles vivem sofrendo
perturbações em partes essenciais ou não e transmitem às porções
vizinhas alguma entrada, sejam elas benéficas ou não. Poderíamos
escrever um capítulo inteiro sobre isto mas alguns exemplos serão
suficientes. O desequilíbrio de um subsistema pode ser devido também
a problemas com o seu mecanismo interno. Uma célula cancerígena se
multiplicará sem nenhum controle e, depois de comprometer o órgão
do qual faz parte, irá fazer com que este próprio órgão afete o
seu sistema de origem. Impressionante notar como um subsistema tão
pequeno leva com o tempo todo o sistema à destruição. O vírus da
AIDS ataca os centros de produção de células de defesa do
organismo humano e com isto, ao ficar debilitado, a pessoa padece de
inúmeras infecções e doenças. Bem, mas muitos descontroles não
são tão maléficos. Os seres vivos carregam consigo defeitos pela
vida inteira e mesmo assim podem levar uma vida normal por muito
tempo. O que é interessante notar é o fato dos sistemas biológicos
complexos continuamente passar por desequilíbrios em suas partes e
reagir tentando não deixar que as influências negativas os
prejudiquem. A homeostasia é um exemplo, no qual uma célula ou um
tecido e mesmo um órgão se esforça por manter seus estados sob um
certo controle, não deixando que quaisquer desequilíbrios afetem
outras partes vizinhas.
Propriedades
Emergentes
A matéria bruta possui uma imensa variedade de formas,
estruturas internas, cores, constituição química, etc. Estamos
falando de rochas, minérios, enfim, do mundo mineral. Ele é formado
de elementos incomparavelmente menos complexos em estruturas, que o
universo dos seres animados. Neste capítulo farei algumas
considerações sobre uma particularidade, com respeito a algumas de
suas propriedades sendo de enorme interesse para quando chegarmos aos
últimos capítulos.
O
diamante é formado somente de átomos de carbono. Mas a distribuição
espacial desses átomos nos dão as propriedades tão comuns dessa
pedra preciosa. Embora considerarei aqui o diamante lapidado, chamado
de brilhante, podemos compará-lo, por exemplo, à grafita, onde as
diferenças quanto a cor, dureza, brilho e também muitas outras do
campo técnico, como escoamento e ponto de fusão, são tais que
qualquer pessoa acharia diferentes suas constituições físicas.
Engano. A grafita também é formada da reunião de átomos de
carbono. Então, como se explica esse aparente paradoxo? Simplesmente
pela distribuição espacial dos átomos. Nada mais. No diamante eles
estão dispostos em uma configuração na qual um átomo central está
ligado a três outros em cada vértice de uma pirâmide de quatro
faces; uma estrutura espacial tetraédrica. Essa estrutura se repete
indefinidamente sendo de 109,5o
o ângulo para quaisquer de cada três desses átomos. Elementos
químicos como o germânio, o silício e o estanho se cristalizam da
mesma maneira.
A ligação entre os átomos é a ligação covalente,
onde há um compartilhamento de elétrons em suas órbitas e não uma
transferência deles de um átomo para outro como na ligação
iônica. Na grafita, os átomos estão também ligados pela
covalência mas em planos hexagonais bidimensionais. É como se
juntássemos vários hexágonos nos quais em cada vértice estivesse
um átomo de carbono. Sobre esses planos atuam as forças de Van der
Waals, as quais não são suficientemente fortes, permitindo o
deslizamento de umas sobre as outras e conferindo à grafita uma
propriedade lubrificante. Assim vemos que, em nível submicroscópico,
atômico, a grafita e o diamante diferem apenas na distribuição
espacial de seus átomos, mas em outro nível, o nosso, macroscópico,
eles são completamente diferentes. Isso vale para todos os materiais
que conhecemos. A própria Ciência dos Materiais, disciplina que
estuda a matéria, diz que a estrutura de cada objeto é responsável
pelas suas propriedades.
Nós enxergamos os objetos porque a luz por eles
refletida sensibiliza nossos olhos e, através de processos
bioquímicos de transmissão de informação, o cérebro interpreta
aquilo que olhamos. Qualquer problema nessa transmissão ou nos
centros cerebrais de processamento das informações recebidas,
resultará na deformação ou perda da capacidade de reconhecimento
de qualquer objeto.
Porque o espaço é escuro? Porque não há matéria
para refletir a luz do Sol ou de qualquer outra estrela, caso não
estivermos olhando a pontos onde o brilho solar não é
suficientemente intenso. E um objeto não refletor? Ele nos
apresentará totalmente escuro, negro, em uma intensidade nunca
observada por ninguém porque não existe no universo nenhum tipo de
material capaz desta façanha. Os objetos materiais sempre refletem
um pouco de luz por mais negros que sejam. O inverso acontece para os
materiais brancos onde refletem quase totalmente a luz nele incidida.
E as cores? A folha verde de uma árvore reflete predominantemente a
cor verde do espectro eletromagnético. Do conjunto das três cores
primárias, azul, verde e vermelho, saem as misturas de cores que
encontramos na natureza e também nos materiais concebidos pelo
homem, toda a quase infinita e rica diversidade de tons apreciados
pelos nossos olhos. E na realidade são as composições químicas e
estruturas espaciais dos átomos de cada material que nos fornecem as
reflexões necessárias para distinguirmos uma cor de outra, um tom
de outro.
A cor é uma propriedade macroscópica dos objetos
materiais. Vejamos o diamante. Ele deixa a luz atravessá-lo, mas
alguma coisa é refletida porque senão seria invisível como aqueles
seres de outro planeta, nos filmes de ficção científica. Mesmo
assim dizemos que ele é incolor. Um átomo de carbono tem cor? Ele é
tão pequeno que só o enxergamos com determinados microscópios
especiais e mesmo assim não apresenta as cores com as quais estamos
acostumados. Só aparecem nos registros tons escuros e cinzas e ainda
devido às condições técnicas de observação dos aparelhos, pois
senão seríamos levados a questionar se, como o tom escuro aparece,
então haveria reflexão de determinadas freqüências. Os cientistas
usam feixes de partículas subatômicas para tanto, não
caracterizando uma observação normal das freqüências de ondas
eletromagnéticas como o fazemos com nossos olhos. Então a cor é
uma propriedade de objetos macroscópicos refletores de luz. Ela só
aparece depois de uma reunião de objetos microscópicos, sendo assim
uma propriedade emergente dos sistemas acoplados. O carbono
determina as propriedades refletoras do diamante, através do arranjo
espacial tetraédrico que é muito diferente dos hexágonos da
grafita.
Se
pararmos para observar notamos a ocorrência de propriedades novas,
emergentes da matéria cada vez que passamos de um nível de
complexidade organizacional a outro maior. Um elétron possui, por
exemplo, carga elétrica. Um próton também. Mas a reunião dos dois
leva-nos ao átomo de hidrogênio. Duas estruturas dessas, ou
sistemas, como quiser, terão a propriedade de se combinarem com um
átomo de oxigênio, este com nêutrons em seu núcleo, e assim
formarem a água, com todas as suas propriedades físicas e químicas
as quais nenhum agrupamento de prótons, nêutrons e elétrons teriam
se nós os combinássemos de qualquer maneira que quiséssemos ou
pudéssemos; a não ser do modo específico da água. Ela reflete
pouco a luz do Sol sendo por isto incolor. É um solvente e é
estável quimicamente com ponto de fusão a 0 oC
e vaporização a 100 oC.
Propriedades como estas nem são definidas para uma reunião qualquer
de prótons, nêutrons e elétrons. Simplesmente não existem para um
caso destes.
Propriedades emergentes são comuns no universo.
Convivemos com elas e nem as percebemos, ou nem pensamos que fora de
nossas vidas cotidianas, na natureza, existem sistemas constituídos
de propriedades além daquelas de seus elementos constituintes.
Informação
Vivemos em um mundo de computadores, rádios,
televisão, jornais, revistas, onde a informação se faz presente
diariamente em nossas vidas. A quantidade de informação é tamanha
que não temos idéia de quanta energia é consumida para, ao
ligarmos a televisão, assistirmos ao que acontece, via satélite, no
outro lado do mundo. Ao que acontece em nossa cidade, região,
estado, país e no mundo. E não só energia elétrica, mas o
trabalho de quem está envolvido direta e indiretamente em todos os
processos nos quais ela circula de um lado para outro.
A
comunicação, simplificadamente o envio e recebimento de
informações, sempre foi um dos elementos relacionado com a
sobrevivência do homem. Gestos, palavras, sinais, a escrita, ele
sempre teve necessidade de se comunicar com os seus semelhantes. E na
sua história no planeta, enquanto criava meios de locomoção, a
utilizava para se comunicar o mais rápido, em maiores distâncias e
com um maior número de pessoas ao mesmo tempo. Mensagens escritas
enviadas por terra, mar e rios, foram durante muitos séculos o meio
mais comum do homem se comunicar. Mas quando
descobriu que a corrente elétrica poderia transmitir sinais
codificados o nosso mundo começou a se configurar no que é hoje:
uma rede de comunicação.
Primeiro o telégrafo. Em 1837, o
norte-americano Samuel Morse, patenteou um sistema na qual impulsos
elétricos, breves e longos, transmitia informações codificadas à
distância. Um impulso breve consistia em um toque rápido no
telégrafo ao contrário do impulso longo. Um ponto e um traço ou um
sinal sonoro breve e um longo, eram tudo o que se necessitava para se
transmitir qualquer informação. A cada letra do alfabeto era
associado um conjunto de pontos e traços que representavam sons
breves e longos e assim um texto poderia trafegar por um fio à
quilômetros de distância. É o conhecido código Morse. Alguns
aperfeiçoamentos deste sistema incluíram a possibilidade de várias
pessoas utilizarem ao mesmo tempo um só canal de transmissão.
Em 1888 o físico alemão Heinrich Hertz conseguiu
transmitir pelo ar as ondas eletromagnéticas previstas teoricamente
por um outro físico, o britânico James Clerk Maxwell, também no
século XVIII. O italiano Guglielmo Marconi, em 1901, converteu em
sinais elétricos essas ondas eletromagnéticas e assim as mensagens
passaram a não depender somente de fios metálicos. Nascia a
radiodifusão que incluiria a transmissão de ondas para a conversão
em sons. Mas, se com a corrente elétrica e as ondas eletromagnéticas
se consegue sons e informações, por que não tentar imagens e
cálculos? O cinema, a televisão e o computador, completaram de modo
sofisticado os sistemas de transmissão e processamento da informação
hoje tão arraigados em nosso mundo.
O conceito de informação é de grande importância na
Teoria dos Sistemas. Ela possui dois sentidos, um em nossa linguagem
habitual e outro na concepção científica. Usualmente informação
é um conhecimento recente para utilizarmos com uma certa finalidade.
Seria um tipo de conhecimento. Um jornalista ao escrever uma matéria,
poderá levar um tempo razoável só para conseguir uma data a qual é
imprescindível para uma determinada argumentação. Essa data é de
grande valor como conhecimento, como informação para ele e os
leitores do veículo jornalístico ao qual pertence. Para a Ciência,
a informação é o conhecimento obtido a partir da análise de um
conjunto de dados mas relacionado com a transmissão de sinais, suas
combinações e freqüências de emissão e recepção, através de
sistema a sistema.
O programa SETI(Search for Extraterrestrial Inteligence
- Procura por Inteligência Extraterrestre), de busca de sinais
provenientes do espaço poderá um dia obter talvez aquela que será
uma das maiores descobertas já realizadas pelo homem: a existência
de seres vivos com inteligência igual ou superior à nossa. Ele está
em curso utilizando poderosos radiotelescópios apontados às
estrelas e recebendo sinais de emissões de raios-X, gama, etc., dos
mais longínquos pontos do universo. A função dos cientistas é
procurar algum padrão inteligente, seqüências com alguma lógica,
no meio de inúmeros sinais caóticos emitidos por astros distantes
de nós. Alguma informação pode estar sendo transmitida por alguma
civilização adiantada; mesmo se não conseguirmos decifrar um
esquema de códigos, o fato de a recebermos indica a presença de
seres no universo tão ou mais evoluídos que nós.
A informação flui de um sistema a outro através de
um canal de comunicação ou transmissão. Um dos sistemas é o
emissor e o outro um receptor; este modelo de acoplamento forma o
menor conjunto possível para se estabelecer alguma comunicação. O
mais simples sistema de comunicação. Na prática o número desses
subsistemas é muito grande chegando a formar uma rede hipercomplexa,
onde temos diversas fontes de emissões, vários receptores e canais.
Os objetos de uma sala emite aos nossos olhos uma quantidade enorme
de informação acerca de formas, cores, tons, posições, etc.; são
emissores e o canal seria o ar transmitindo a luz na forma de ondas
e o nervo óptico transformando-a em impulsos nervosos a chegarem em
nosso cérebro, o receptor. Tudo isto porque estamos falando da luz
sem considerar as fontes de som, cheiro, etc., a enviarem
continuamente informações aos nossos sentidos.
Os meios pelos quais a informação é transmitida
revela uma interessante relação entre ela e a energia. Veja o que
acontece quando assistimos a uma notícia em um telejornal. Uma
série de reações químicas que consomem energia têm lugar no
cérebro do repórter ou apresentador e impulsos nervosos são
enviados aos músculos da garganta para vibrarem e produzirem sons.
Ao mesmo tempo em que a luz refletida por ele é captada pelas
câmeras e transformada em impulsos elétricos, o microfone capta as
ondas sonoras do ar para realizar o mesmo processo. Esses impulsos
são enviados para aparelhos específicos que transformam-nos em
ondas eletromagnéticas, a serem transmitidas às antenas das
televisões onde novamente são convertidas em impulsos elétricos
para logo em seguida se transformarem em imagem e som. É cansativo
até descrever um processo como este e ainda eu resumi. A imagem e o
som da televisão são transmitidos pelo ar à visão e audição do
telespectador até o cérebro entender o conteúdo da notícia.
Impressionante é o fato da energia mudar de forma mais de uma dezena
de vezes, se analisarmos este fato minuciosamente, mas a informação
é preservada.
Dizem alguns, e até exagerando em suas idéias, que a
informação é algum tipo de substância ou meio; a verdade reside
na concepção de conhecimento como uma estrutura lógica passível
de ser entendida. Informação é conhecimento. É uma variante dele.
Assim uma estrutura lógica com um significado é conduzida mesmo se
a energia mudar de forma várias vezes. A energia então é o
suporte, o meio pelo qual essa estrutura é transmitida. É a
informação.
Nos caminhos percorridos pelas informações entre os
sistemas, ou dentro deles, algumas podem se perder ou chegarem aos
receptores um tanto diferentes de como foram emitidas. As músicas em
um rádio não estão sendo ouvidas porque ele emite um chiado
encobrindo a transmissão. Parte da informação foi bloqueada por um
problema que chamamos de ruído. Contudo ele é relativo para quem
está trabalhando com ele, pois a música no rádio pode estar não
interessando ao técnico que justamente procura eliminar esse chiado
do aparelho. Sua atenção está voltada para o barulho e seu local
de origem. O ruído é indesejável quando prejudica a comunicação
entre os sistemas e os técnicos, sejam eles eletrônicos ou não,
trabalham incessantemente para diminuí-lo ou eliminá-lo por
completo. Na Biologia ele é considerado como agressões do meio
ambiente pelas quais um sistema vivo sofre, o que não está muito
distante da definição para outros tipos de sistema.
Na década de 20 surgiu um ramo da Matemática
Aplicada, a Teoria da Informação, como um meio de analisar
problemas práticos nos quais se deparavam os cientistas da área de
comunicação. Na década de 40, com os trabalhos do matemático
inglês Norbert Wiener e do engenheiro elétrico americano Claude E.
Shannon, houve uma conexão entre os conceitos de conjunto,
comunicação e informação. Aí se formulou uma teoria geral sobre
o assunto. A idéia de conjunto é entendida nos exemplos que
seguem. Um rapaz quer avisar a namorada que não irá a um encontro,
mas só dispõem de um mecanismo para se comunicar. Como o telefone
da garota está com defeito e só emite o toque de chamada, não
sendo possível a eles conversarem, então estabeleceram o seguinte
código: se tocar uma vez haverá o encontro no lugar aonde sempre
vão e na ausência de chamada isto não será possível. Mas, se o
telefone passar a nem mais tocar o som de chamada, então não será
possível marcar nenhum encontro. Das duas possibilidades, tocar ou
não, o conjunto se restringiu a uma só e com isso interrompeu-se a
comunicação entre o casal.
Consegue-se através de um conjunto de sinais dos mais
diversos uma comunicação entre sistemas desde que algum código
seja pré-estabelecido. É possível compor qualquer número
utilizando-se sinais luminosos e fazer-se entender por outra pessoa
que conhece a combinação, a codificação entre eles. Uma lâmpada
acesa por menos de um segundo corresponderia ao algarismo um.
Espera-se dois segundos e faça com que ela pisque três vezes em
menos de um segundo: é o algarismo três. Esse conjunto de sinais
indica o número 13. Existe um conjunto de possibilidades quando se
transmite uma informação. Ela própria faz parte dele. Uma
expressão do tipo "o livro que li possui capa azul" está
mostrando, pelo adjetivo, uma cor específica e ao mesmo tempo
excluindo todas as outras possibilidades, todas as outras cores. Ela
possui mais informação que uma expressão do tipo "o livro tem
capa de cor" porque reduziu uma incerteza, especificou uma cor
para o livro. Desse modo os cientistas passaram a quantificar a
informação, a buscar uma medida para ela. Mesmo na década de 20
eles já afirmavam que a informação é maior quanto mais
possibilidades forem eliminadas. Mas só com Claude Shannon, em 1949,
que a medida da informação seria estabelecida com rigor.
A
comunicação do rapaz com a namorada estava dependente do toque ou
não do telefone. São duas possibilidades. O logaritmo na base dois
das possibilidades nos dá a quantidade de informação envolvida em
uma comunicação. A expressão matemática é log2N
= M onde N é o numero de possibilidades ou estados do sistema e M a
quantidade de informação. Realizando o inverso desta operação
temos 2M
= N. Se o telefone apresentasse mais defeitos e o conjunto se
reduzisse para um, a comunicação não seria possível. Claro, o
logaritmo de um na base dois é zero(log21
= 0, pois 20
= 1) significando nenhuma informação transmitida. Para se ter o
mínimo de comunicação é necessário duas possibilidades onde o
logaritmo de dois na base dois é um(log22
= 1, pois 21
= 2). Para o casal o resultado é um, o mínimo de informação
possível para o encontro se concretizar, tocar o telefone ou não.
Esse "um" é o bit, a menor unidade de informação. Ele
veio das palavras binary digit(dígito binário). O conjunto de oito
bits é o byte onde tomamos por referencial ao analisar a memória de
um computador, ou mesmo ao nos depararmos com alguns de seus
periféricos, usando as terminologias como o Mb(megabytes) e
Gb(gigabytes). Dígito é um algarismo e binário é um adjetivo
significando algo com dois elementos. Um conjunto para nós. Dígito
binário é então um algarismo formado por somente dois elementos.
Um computador realiza diversas tarefas, desde uma
simples conta de somar até um projeto de arquitetura de um prédio.
Nem dá para descrever aqui toda a sua potencialidade; basta vermos
como está sendo largamente utilizado nas empresas, indústrias,
bancos, pequenas empresas do comércio, etc., sem falar na rede
mundial Internet. Se tentarmos defini-lo poderíamos dizer que é
uma máquina automática de processamento e armazenamento de
informações. Máquina porque os primeiros instrumentos de cálculo
e de processamento de informação eram mecânicos.
O físico, matemático e filósofo francês Blaise
Pascal, foi o primeiro a inventar uma calculadora mecânica em 1642.
No começo do século XVIII se criou a primeira forma de uma máquina
realizar um processo através de códigos. E não estava relacionado
com cálculos. Para se introduzir um desenho em um tecido era
necessário uma pessoa selecionar um conjunto de fios de um tear a
serem trabalhados na confecção final do produto. O engenheiro
francês Basile Bouchon, em 1725, construiu um rolo de papel
perfurado onde as agulhas de tecelagem seriam lançadas para a
frente, a penetrar no tecido, onde não houvesse os orifícos. Para
cada desenho um arranjo de orifícios.
Outro francês, o mecânico Joseph Marie Jacquard, em
1804, aperfeiçoou esse processo utilizando um conjunto de cartões
perfurados a empurrarem as agulhas. Mais complexo que o de Bouchon e
utilizando-se mais agulhas, este tear permanece inalterado, em
essência, até hoje. O que esses dois franceses fizeram foi um modo
de se "comunicar" com a máquina, de faze-la trabalhar como
eles queriam segundo programas variáveis. E a linguagem de
comunicação foi a de orifício e não orifício...
O matemático inglês Charles Babbage foi quem primeiro
tentou utilizar cartões perfurados em uma máquina e processar
informações algébricas, números e cálculos. Ele fracassou porque
enfrentou problemas técnicos com a limitada indústria metalúrgica
da época. Mas em 1890, para resolver o problema do recenseamento
norte-americano, no qual a população do país havia aumentado
consideravelmente, Hermann Hollerith inventou um sistema onde as
informações sobre as pessoas como sexo, idade, etc., eram
computadas em cartões perfurados. Depois esses cartões eram
colocados sobre alguns recipientes contendo mercúrio para que
agulhas passassem pelos orifícios a fim de registrar eletronicamente
as informações em um dispositivo específico.
Estava
concretizada a moderna comunicação entre o homem e a máquina;
décadas se passaram até que oficialmente o primeiro computador
totalmente eletrônico fosse colocado para trabalhar em 1946. Era o
ENIAC. Composto de 18.000 válvulas, pesando cerca de 30 toneladas e
cobrindo uma superfície de 140 m2,
foi o pai de todos os nossos computadores atuais.
O
processamento das informações em um computador realiza-se
automaticamente através da álgebra booleana interpretando os dois
estados, 0 e 1, significando presença ou não de um sinal elétrico
em cada milhar ou milhões de transistores de um chip. Números,
letras, pontos luminosos coloridos, etc., são formados a partir
dessa associação simples entre dois estados elétricos e uma lógica
construída em 1854 pelo matemático Charles Boole.
As
informações nos seres vivos são processadas de maneiras
diversificadas quanto aos veículos que as realizam. Íons,
moléculas, átomos, macromoléculas, interações destes entre si,
etc. A passagem de um íon através de uma membrana carrega uma dose
de informação pois a seletividade da estrutura deste envoltório
“reconheceu” que aquele tipo de átomo poderia entrar na célula.
Pode ser que a membrana não possuísse capacidade suficiente de
reconhecer o quão perigoso esse íon seria ao sistema inteiro; mas
outra, com estrutura diferente, não permitiria essa entrada e a
sobrevivência da célula estaria assegurada. A diferença entre as
duas está na quantidade de informação que elas conseguem
processar.
O
DNA, ao fabricar uma enzima com mais aminoácidos que outra,
“processa” mais informação pois a própria codificação no
gene específico para tanto é maior. A seqüência
de bases naquele pedaço de ácido desoxirribonucleico é maior.
Outra
forma de processamento no DNA consiste na sua capacidade de formar
indivíduos, complexos ou não. Com algumas exceções, quanto mais
complexo é um indivíduo, maior é o comprimento de seu DNA. O ser
humano, possuindo o sistema mais complexo que conhecemos, o seu
cérebro, tem o maior DNA conhecido. Uma exceção a esta regra é a
rã, que tem as suas seqüências de bases nitrogenadas com um
comprimento maior que
as nossas. Mas muitos genes não são ativos ou não funcionam e
vemos que só o nosso cérebro é muito mais complexo que todo o
corpo da rã incluindo o seu cérebro.
Uma
célula de defesa imunológica tem que necessariamente reconhecer um
maior número de microorganismos para manter em níveis ótimos as
atividades vitais do organismo a qual pertence.
Em
geral, uma célula mais complexa que outra “conteria” mais
informação, processaria mais informação. Não vou definir em bits
ou bytes com uma analogia entre os circuitos eletrônicos, rígidos,
de computadores, e os elementos sólidos, mas imersos em fluidos
protoplasmáticos nos interiores celulares. Basta ao leitor
compreender o exposto nesses últimos parágrafos; compreender que
processamento de informação também existe dentro das células e
não só em nível macroscópico como quando interagimos com o meio
ambiente. Na realidade, tudo que vemos, compreendemos e sentimos, é
processado microscopicamente, desde os terminais nervosos dos órgãos
dos sentidos, olhos, pele, ouvido, nariz e boca, até chegar nas
células cerebrais onde o trabalho é terminado.
Retroação e Cibernética
A homeostasia é a manutenção das variáveis de um
sistema dentro de limites aceitáveis. Na Biologia essas variáveis
são as fisiológicas, aquelas que mantém vivo qualquer ser
conhecido por nós.
Para introduzir alguns conceitos de como isto ocorre,
vamos imaginar um sistema simples constituído de um recipiente com
um líquido suscetível de expandir-se com o calor. Uma haste é
ligada a um êmbolo e a uma saída de gás que mantém aceso uma
chama para aquecer o líquido. Conforme o líquido se aquece, ele se
expande e move o êmbolo para cima e a haste faz diminuir a saída de
gás, diminuindo assim o fogo e consequentemente o calor que expandia
o líquido e o êmbolo. Por outro lado, ao diminuir o fogo, o êmbolo
desce e a haste age ao contrário, liberando a saída de gás
aumentando o calor do líquido e fazendo novamente o êmbolo subir.
Temos então uma série de reajustes na posição do êmbolo
levando-o a permanecer em uma determinada altura, ou, pelo menos, em
uma determinada faixa de posições nas quais o sistema permanece em
equilíbrio. Se alguma perturbação externa diminuir a quantidade de
calor gerada pela chama, o êmbolo, através da temperatura em queda
do líquido fará seu papel regulador acionando o gás e
consequentemente aumentando a chama, deixando novamente sua posição
no recipiente dentro dos limites anteriores, sendo válido o mesmo
raciocínio, mas com o sistema funcionando de maneira inversa, para
uma perturbação na qual aumenta o calor da chama. Este é o
princípio da retroação ou feeedback. Ele é o agente, o motivo
mantenedor da homeostasia de um sistema. Em termos conceituais, parte
da energia de saída, do movimento do êmbolo, retorna para regular a
entrada, chama gerada pela quantidade de gás, a fim de manter o
sistema equilibrado. Se diz que o efeito, movimento do êmbolo, tem
sobre a causa, o calor da chama, para condicioná-la a ele mesmo.
Parte do efeito se torna parte da própria causa.
A retroação é negativa(reguladora) se o efeito for em
sentido oposto à causa e positiva(amplificadora) se for no mesmo
sentido. Se negativa, ela tende a regular o sistema pois não o deixa
escapar da condição na qual suas variáveis essenciais permanecem
dentro de limites aceitáveis. Um sistema, ao se afastar de uma
posição ótima, em qualquer direção ou sentido, é trazido de
volta. Se a retroação é positiva, haverá um deslocamento no mesmo
sentido dessas variáveis, amplificando-as e levando o sistema a se
afastar dos limites aceitáveis. Esta amplificação poderá ainda
ser negativa ou positiva: se negativa haverá um amortecimento nos
valores das variáveis, diminuindo seus valores ou, se positiva,
esses valores aumentarão. Se um sistema possuir somente retroações
positivas, ele não voltará à posição ótima, de equilíbrio,
afastando-se até ser destruído.
Exemplo clássico de retroação é a tentativa de se
atingir um alvo em movimento como um atirador treinando sua pontaria
em um disco cruzando sua frente, a vários metros de altura. Se o
objeto, em um instante, se mover para baixo devido a uma corrente de
ar, o atirador corrige sua pontaria o suficiente para atingí-lo
nesta nova posição. Esta correção nada mais é que a visão
informando ao cérebro para onde seus músculos deverão se mover. A
cada momento então, o atirador recebe informações e reage
adequadamente para atingir seus objetivos. Fica claro o papel
essencial da transmissão de informação no controle, na regulação
de sistemas onde se tem retroação. A energia e a informação são
dois pilares importantes para um sistema desses funcionar de maneira
eficaz.
Imagine se o nosso atirador tiver alguma perturbação
na passagem da informação visual em nível do nervo ótico, para o
cérebro, a ponto de atrasa-la. Ele não conseguirá acertar seu
alvo. Um motorista embriagado pode não manter seu veículo dentro de
sua faixa por muito tempo, pode demorar a desviar de um obstáculo.
Quando dizemos que o álcool afeta o reflexo de alguém queremos
dizer algo a respeito, sem saber, do conjunto de retroações
necessário para manter o motorista na pista dentro de limites
seguros. Sim, porque só o ato de dirigir implica em uma série de
correções onde, ao menor desvio para qualquer de ambos os lados, a
pessoa corrige seu veículo o suficiente para não sair dos limites
do caminho no qual está percorrendo. Evidentemente esse conjunto de
feedbacks não é pequeno: podemos considerar ainda o aumento ou
diminuição da velocidade do veículo nas situações onde se faz
necessário, a própria relação entre velocidade e distância
deslocada do pedal do acelerador, etc.
Dei esses dois exemplos de sistemas onde podemos tomar
contato com o princípio de retroação, mas a vida, os seres
animados, possuem uma quantidade imensa de dispositivos nos quais
inúmeros “feedbacks” em conjunto mantém a engrenagem vital
funcionando de maneira eficaz para a sobrevivência do todo. Note-se
que pelo exemplo do êmbolo há, evidentemente, limites nos quais as
perturbações podem destrui-lo em pouco tempo. Se aquecermos ou
resfriarmos por demais o ambiente na qual se faz a experiência, o
sistema em questão pode não funcionar. E assim existem diversas
situações nas quais podemos prejudicar o funcionamento não só do
sistema mencionado mas de qualquer outro.
Antes da segunda guerra mundial, nos Estados Unidos,
muitos cientistas das mais diversas áreas se reuniam para debaterem
assuntos relacionados ao controle em sistemas mecânicos, elétricos,
etc. Cada um levava consigo problemas específicos nos quais
trabalhavam. Haviam matemáticos, engenheiros, fisiologistas, enfim,
uma boa variedade de pessoas interessadas em analisar seus problemas
até do ponto de vista matemático, onde se equacionava os meios e os
fins por onde a informação penetrava e se processava nos diferentes
sistemas apresentados por eles. Máquinas eletrônicas, seres vivos,
máquinas de telecomunicações, etc., tinham seus comportamentos
analisados a partir de como se podia tratar o controle em cada uma.
Sentiram esses homens que havia então um novo campo a se explorar,
um campo ainda não batizado, não oficializado, pois muitos de seus
principais tópicos já haviam sido isoladamente estudados, ou pelo
menos muitos cientistas já estiveram em contato com eles, em alguma
época em suas pesquisas. Perceberam que havia uma “supraciência”
envolvendo muitos dos fenômenos das diversas ciências conhecidas,
não somente daquelas as quais pertenciam seus trabalhos.
Norbert Wiener, um dos principais expoentes dessas
reuniões, em 1948, publicou um livro – “Cibernética –
Controle e Comunicação no Animal e na Máquina”, fundando
oficialmente a Cibernética como a Ciência interdisciplinar dos
sistemas em toda a natureza. Ele havia trabalhado para o governo de
seu país nos problemas técnicos envolvendo a maneira pela qual um
avião pudesse ser atingido por um projétil. O princípio da
retroação fora identificado como talvez o principal tema dessa nova
disciplina, pois está diretamente ligado ao controle, seja no animal
ou na máquina.
A palavra cibernética está, em sua etimologia,
relacionada com a viagem de Teseu a Creta na Grécia antiga. O
sucesso dessa viagem fora festejada por muitas vezes e Teseu
homenageava seus pilotos que o levaram àquela ilha. A palavra
kybernytik seria usada por Platão no sentido de governar, na sua
obra “República”, e no sentido de pilotagem de navios em
“Alcebíades” e em “Górgias”. Pilotar e governar possuem
significados semelhantes pois ambos, em última análise, se referem
à busca de alvos específicos, sendo que governar encerra uma
numerosa gama de variáveis e talvez diversos alvos a serem
atingidos, ao mesmo tempo ou não. O físico francês André Marie
Ampère, que viveu no final do século XVIII e começo do século
XIV, chegou a utilizar a palavra cibernética quando se referia a
controle ou direção. Mas somente no século vinte, quando da
evolução da tecnologia em coeficientes tão altos como nunca visto
na história da humanidade é que seria utilizada finalmente com um
significado permanente. E chegou com o status de Ciência.
Cibernética é realmente a ciência do controle no
animal e na máquina como Wiener a concebeu para o subtítulo de seu
livro. Animal porque se refere aos seres vivos em geral, incluindo as
plantas. Máquina porque, além daquelas às quais estamos
acostumados em nosso dia a dia portadoras de peças, fios, chips,
estruturas metálicas, etc., se refere ao universo físico e químico
de nosso mundo. Para tanto ela se utiliza dos sistemas como o foco de
atenção porque são eles os objetos aos quais queremos estudar. É
um capítulo da Teoria de Sistemas onde o controle é o assunto
principal. A informação não é menos importante pois ela é quem
caminha no interior dos sistemas, e fora deles, nas transmissões de
um a outro, para se obter o controle desejado. Assim, a ação em
qualquer sistema, seja mecânico, elétrico, biológico, etc., é
realizada em muitos casos através de objetos, partes físicas, mas,
para isso, é necessário a transmissão correta e eficiente da
informação em seus interiores. Na realidade, matéria, energia e
informação caminham juntas quando falamos de controle em sistemas.
Nível
Funcional Sistêmico
Pretendo expor agora a principal idéia às nossas
discussões onde caberá em primeiro momento um exemplo bem simples,
embora não pertencente à Física, à Química ou a Biologia, para
depois voltar diretamente às questões da natureza. Imagine uma
pequena empresa onde as pessoas trabalham com tarefas tão comuns a
este tipo de sistema como o registro de entrada de mercadorias,
vendas, cobrança, entregas dos produtos, etc. Cinco pessoas realizam
eficientemente todo o trabalho com uma carga horária de oito horas
por dia cada uma. A chegada de um computador pode ser uma ameaça aos
empregos dos funcionários, pois ao realizar tarefas rotineiras com
maior rapidez ele deixa algumas dessas pessoas com um maior tempo
livre. Mas os dirigentes preferem canalizar esse tempo extra para os
funcionários ajudá-los no crescimento desta empresa. Eles seriam
usados em novas funções visando um maior faturamento e novas
tarefas aparecem como uma novidade para eles: um dos funcionários
passaria de burocrata a vendedor, outro ajuda seu chefe em novas
metas de vendas enquanto o volume de mercadorias aumenta. E o tempo
gasto para se gerenciar o fluxo dessas mercadorias, mesmo usando o
computador, poderá aumentar pois a quantidade delas cresceu em um
ritmo desproporcional ao esperado, requerendo mais trabalho de um
terceiro funcionário.
O crescimento da empresa se torna algo viável onde o
fluxo de informações se torna maior juntamente com o fluxo de
mercadorias e do objeto principal de um sistema desta natureza, o
dinheiro.
Não há como negar que existem mais coisas envolvidas
em situações deste tipo como uma boa administração, visão para
novos negócios, etc., mas a idéia básica de aumento na quantidade
de informação e fluxo de mercadorias se revela algo muito
importante na qual esse sistema obteve então uma transição de
fase, digamos assim, de um plano mais baixo para outro mais alto em
termos de funcionamento. Introduziu-se um elemento, o computador, que
ao processar mais rápido e com qualidade as informações
necessárias a um aumento da produtividade da empresa, ajudou-a em
seu crescimento. Eu disse mais qualidade no sentido de buscar
alternativas imprescindíveis a um empreendimento destes antes
impossíveis aos funcionários e também ao dirigentes.
Entrando na Química, se uma substância na qual
batizaremos de A, é reagente com B para uma determinada reação no
interior de um envoltório ou membrana em suspensão, e C é o
produto desta reação, podemos dizer que a membrana efetua
constantemente uma seleção no meio ambiente pois, dentre centenas
ou milhares de outras substâncias, apenas algumas serão aceitas. A
eliminação de C, ao se reconhece-la como "algo sem
importância”, evitará um acúmulo talvez indesejável desta
substância no interior do sistema. Além dele possuir energia, pois
em qualquer reação química ela está presente, notamos também um
processamento, embora muito simples, de informação.
Outra membrana poderá deixará entrar em seu interior
um número maior de moléculas ou átomos. Imagine então três
substâncias como as citadas anteriormente, A, B e C, e na qual uma
outra, D, penetre no interior da membrana prejudicando a reação em
andamento. O sistema poderá ser destruído pelo menos no que se
refere à reação, mas a presença de uma quinta substância,
digamos, E, se acoplará a A, não a prejudicando e formando um
subsistema limitando a ação de D. O fato de se acoplar, reagir, em
qualquer caso, demonstra afinidade, reconhecimento, troca de
informação. Então, em termos de matéria, informação e energia
esse pequeno sistema passou de um nível a outro, agora superior na
medida destas três variáveis.
Irei falar em nível funcional sistêmico tendo em
mente o fato do sistema trabalhar com matéria, energia e informação
presentes em quantidades passíveis de serem medidas, ou pelo menos
comparadas com quaisquer outro sistema. Não quero com este termo
criar algum conceito novo, mas apenas ajudar a explicar de maneira
satisfatória alguns fatos relativos a vários sistemas no que se
refere às suas maneiras de "funcionar". É o próprio
funcionamento do sistema, encerrando uma certa medida dessas
variáveis, a que chamarei de nível funcional. Ele seria o conjunto
delas, um parâmetro onde a estrutura do todo, com o seu
funcionamento, pudesse ser avaliada.
Em sistemas simples como esses descritos acima, o número
de estados de qualquer conjunto de variáveis, se tomadas com
respeito a partículas unitárias como os átomos, é muito grande,
impossível de se medir. Só as suas posições, em contínua mudança
no interior da membrana, seria objeto da Estatística e não de
sistemas determinísticos. Mas o que importa para nós é o fato do
recebimento de matéria do exterior, reação com uma ou talvez mais
substâncias e posterior eliminação do subproduto. Isto sim é
passível de conceituarmos em nível funcional sistêmico ou nível
funcional, tornando este sistema uma fábrica de determinada
substância.
As coisas
então ocorreram em nossos exemplos de uma maneira que o nível
funcional do sistema pôde se elevar, aumentando também a sua
quantidade de matéria organizada. Nenhuma fantasia
ou truque da natureza: ela, através das leis da Física e da Química
age por si só desta maneira. A
própria membrana possuía, antes de se formar, fechar, uma certa
quantidade de energia e informação encerradas pelas forças de
união entre suas moléculas, ou átomos, se fosse deles constituída.
Veja também que o sistema estava em equilíbrio dinâmico antes da
chegada da substância D e continuou assim depois da presença de E.
Em primeiro lugar, equilíbrio significava, em linhas simples, o
conjunto de estados nas quais o sistema passava com respeito à
reação de A com B, produção de C e sua posterior eliminação ou
saída. Logo depois significou a reação de A com B, entrada de E,
entrada de D, produção de C e posterior eliminação ou saída. Na
realidade, esta seqüência encerra em si uma certa dose de
arbitrariedade pois poderíamos, por exemplo, ter a entrada de D
antes que E, vindo esta última, se não demorasse, a salvar o
funcionamento do sistema. O nível funcional então aumentou e levou
o sistema para outro ponto ou conjunto de estados na qual se
estabeleceu novamente o equilíbrio. Vale notar que o equilíbrio
significou a sobrevivência do sistema perante a presença de uma
substância nociva já presente no meio circundante ou que apareceu
devido a mudanças no meio ambiente.
Considere agora uma molécula intrometida a qual possui
a capacidade de sintetizar outras moléculas. Ela e seus subprodutos
poderão ou não, se ajustarem ao sistema. Muitas possibilidades
podem ocorrer: fabricação de substâncias às quais aumentariam o
nível funcional do sistema através de reações químicas ou
acoplamentos, desintegração de parte do sistema com subsequente
substituição de componentes, etc. Essa molécula poderia até ser
capaz de formar, sem necessitar de um "hospedeiro", uma
membrana e a partir daí começar um ciclo de "vida"
autônomo. A idéia básica é o aumento do nível funcional, mesmo
partindo de uma só molécula, quando tratamos de compostos
orgânicos.
O nível funcional sistêmico revela se um sistema
possui muita informação em uma pequena quantidade de matéria e
energia, muita energia mas pouco transporte de matéria e
processamento de informação, etc.
Nosso cérebro possui uma massa por volta de 1.300
gramas e uma potência elétrica de 25 watts, nem o suficiente para
uma lâmpada iluminar um quarto ou um cômodo de uma casa. Mesmo se
juntássemos vários processadores de computador até atingir essa
massa e uma quantidade de energia elétrica bem maior, não
conseguiríamos um processamento de informação tão refinado quanto
a de nossa mente. A rapidez na realização de cálculos é maior até
em computadores antigos, mas o nosso cérebro é capaz de proezas
jamais alcançadas até agora por nenhuma máquina. Intuição,
imaginação, raciocínio abstrato e em cima de conceitos, etc.,
fazem dele algo incomparável na tecnologia e na natureza. Sua
atividade sistêmica é alta em informação, a maior que existe,
devido a esses complexos mecanismos do pensamento. Digamos que o peso
do processamento da informação neste caso é maior que a energia e
a matéria. Um computador de dezenas de quilos e utilizando correntes
elétricas capazes de eletrocutar uma pessoa não tem um nível
funcional como o cerebral.
Esses sistemas celulares que venho descrevendo encerram
reações químicas importantes à manutenção do conjunto, do
sistema em si. O nível funcional aumenta com a entrada e acoplamento
de moléculas, grupos de moléculas, possíveis reações, átomos ou
íons, etc. Se o todo for levado a patamares de funcionamento onde
existe equilíbrio, ele permanecerá como tal. É aí que acontece a
passagem de níveis de organização da matéria onde também
necessitamos da Química acima da Física, e da Biologia acima da
Química, para estudarmos os fenômenos resultantes nesta escalada da
natureza em organização.
Podemos
pensar em nível funcional na retroação? Como vimos ela só existe
se energia e informação estiverem presentes, em condições
especiais, evidentemente. Ela nada
mais é que um conjunto ininterrupto de transmissão de informação
para o sistema se ajustar a um determinado fim. O
sistema do êmbolo no recipiente com um determinado líquido, requer
menos energia e informação que a do atirador usando sua visão,
cérebro e músculos. A retroação, tão necessária à manutenção
da vida pois ela mesmo se mantém devido a mecanismos de regulação
e controle, se apresenta de muitas maneiras e quantidades nas
engrenagens vitais e então podemos falar em nível funcional na
retroação para qualquer ser vivo.
4 – Estatística
Ao ligar o rádio vem aos seus ouvidos aquela música em
que estava pensando deixando-o perplexo: forças ou energias
misteriosas atuaram em sua mente neste trabalho de previsão. Mas
você já se esqueceu de quantas vezes ligou o aparelho pensando
naquela música e não a encontrou imediatamente? Houve uma
supervalorização daquele acerto a ponto de se pensar em forças
ocultas. O homem não pensa estatisticamente!
Ao voltar de uma festa você está desesperado. Provou
diversos pratos, bebeu bastante, tudo com um valor calórico o
suficiente para deixá-lo preocupado com o regime que está fazendo.
Mas se esqueceu dos meses anteriores nos quais cumpriu corretamente
todas as regras estipuladas pelo seu médico, sendo que uma vez
apenas saindo do regime, depois de tanto tempo, não irá
prejudicá-lo. O homem não pensa estatisticamente!
Ao tentar a sorte em um jogo de loteria você invoca,
até em momento não correto, na minha opinião em termos de
religiosidade, todos os deuses, espíritos, santos, orixás, etc., e
agradece a eles depois: sua vida mudou para melhor. Mas não
questiona quantas milhões de apostas tiveram a mesma carga de
invocações por detrás sem obterem êxito como você. O homem não
pensa estatisticamente!
A Estatística é por definição um capítulo da
Matemática na qual se analisam dados de uma população de seres;
dados esses obtidos e organizados segundo determinados critérios,
deduzindo-se padrões gerais de comportamento, tendências atuais, e
fazendo-se previsões sobre como este conjunto se apresentará no
futuro. Nessas previsões a probabilidade entra como fator
fundamental de análise pois ela é quem nos dá, a partir dos dados
coletados da população, uma medida quantitativa de quão provável
uma determinada situação irá se repetir. Por exemplo, ao se notar
que de cada cem crianças recém nascidas escolhidas sob certas
condições, como a região onde os pais vivem, seus hábitos, etc.,
uma possui determinado defeito congênito, a probabilidade deste tipo
de ocorrência para esta população será de cem para um. Deste
modo, na média, a cada cem crianças recém nascidas, uma terá o
problema. Talvez aparecerão duas simultaneamente com a imperfeição
congênita após 198 terem nascidas com saúde, mas a média
permanece. Média esta cada vez mais precisa quanto maior for o
intervalo de tempo ou número de nascimentos observados. Se você se
prender somente àqueles primeiros 198 nascimentos perfeitos achará
que as leis estatísticas não possuem valor algum, mas, ao continuar
observando os dados, já nos dois seguintes verá a média chegar ao
valor cem para um. Vemos então que estatística está relacionada
com tendências de situações ocorridas com populações ou conjunto
de dados e não com um indivíduo específico. Melhor dizendo, você
sabe que algo irá acontecer com a população, mas não poderá
especificar com qual indivíduo será.
O método usado pela Estatística ao coletar dados para
posterior análise consiste em observar um número pequeno ou menor
de indivíduos em relação ao todo. É o chamado espaço amostral.
Quantas vezes alguém estranhou o fato de um instituto de pesquisa só
perguntar a algumas centenas ou milhares de pessoas sobre em quem
votariam na próxima eleição? A população de um estado ou país
é geralmente muito maior que isto. Uma resposta bem elucidativa a
uma questão desta natureza, foi dada certa vez por um diretor de um
desses institutos ao ser indagado por alguém não informado. Fora
suficiente a ele tocar em outro fato relacionado a Estatística e
muito comum em nossas vidas: nunca precisaríamos retirar todo nosso
sangue para um laboratório analisá-lo! Bastaria uma amostra. Isto é
o espaço amostral.
São notáveis quantas comparações podemos fazer em
muitos pontos nos diversos ramos das ciências acerca do espaço
amostral relacionado com distribuições de elementos em populações.
Ao preparar uma mistura de água e açúcar, você não precisa,
evidentemente, experimentar todo o produto para ver se acertou na
quantidade do soluto; apenas algumas gotas são suficientes. O que
realmente acontece é uma distribuição igualmente de concentração
do açúcar em todo o recipiente. Seria improvável ele se concentrar
na metade superior da mistura; ou na inferior. Isso quer dizer que os
bilhões, ou mais, de moléculas se distribuem uniformemente por toda
a mistura. Os votos de uma eleição também tendem a se distribuírem
uniformemente pelo eleitorado e por isso pode-se usar o espaço
amostral para se realizar pesquisas. Na verdade pode ocorrer algumas
concentrações em determinados lugares ou conjunto de pessoas, mas
em linhas gerais a distribuição é uniforme. Assim, o espaço
amostral é extremamente útil na Estatística, e alguns critérios
devem ser tomados a cada pesquisa. É a partir dele que se começa o
estudo das variáveis de uma população de dados. Feito isso
podemos, além de outros resultados, obter médias com respeito às
variáveis em estudo e daí tirar conclusões sobre a população.
No
terceiro parágrafo deste capítulo eu mencionei o jogo de loteria.
Algo poderia estar errado se sempre saíssem os mesmos números em
seu resultado ou se nunca ninguém ganhasse. Até aí podemos dizer
que nós pensamos estatisticamente. O problema talvez não é com os
extremos das situações de ocorrência mas sim com a média.
Certa vez um político tentou
persuadir as pessoas pela televisão de que estavam erradas as
pesquisas a respeito de sua posição nas intenções de voto. Ele se
encontrava bem abaixo do primeiro colocado e isso, ele sabia, iria
prejudica-lo, pois grande parte dos eleitores escolhem os primeiros
de qualquer lista divulgada pelos meios de comunicação. Mostrou
então uma família na qual pelo menos três indivíduos iriam votar
nele dizendo que as pesquisas apontavam uma média de apenas um voto,
um indivíduo por família, e então, pasmem, criticou a própria
natureza da Estatística. Claro que existiriam pelo menos outras duas
famílias onde ninguém iria dar o voto a esse político,
permanecendo correta a média de intenções como os institutos
competentes publicaram nos jornais. É o caso de distribuição com
algumas concentrações isoladas. Ele conhecia Matemática e apostou
na ignorância de muitas pessoas; tenho certeza que conseguiu muitos
votos a partir daí, pois sua intenção era de quebrar em parte esse
comportamento natural dos muitos eleitores indecisos, ou suscetíveis
de serem influenciados pelas pesquisas nas eleições fazendo com que
eles desconfiassem das realidades estatísticas. Felizmente não
ganhou a eleição.
Esse exemplo mostra ao leitor
apenas uma das muitas formas inescrupulosas de se manipular ou
distorcer as verdades de fatos estatísticos. E esses fatos são
coisas não muito bem conhecidas por todos e portanto fáceis de
alguém tirar algum proveito.
Alguns políticos brasileiros
teriam revelado à população que no ano corrente daquela época,
diminuira o índice de desmatamento da floresta amazônica, assim
como no anterior. Mas a verdade era que a média dos últimos seis
anos era de crescimento... Houve uma flutuação momentânea dos
dados nos quais aquele ano e o antecedente apresentaram uma queda no
índice. Esses dados serviram de propaganda enganosa, pois nada
garantiria um verdadeiro decréscimo no desmatamento a não ser um
estudo cuidadoso na qual envolveria uma apuração sistemática nas
médias entre vários períodos.
Os fenômenos estatísticos possuem um aspecto bem
diferente daqueles chamados de determinísticos. O número de
variáveis presentes é tão elevado que se torna impossível
prevermos com certeza qualquer situação de ocorrência e por isso
falamos em probabilidades. Nos fenômenos determinísticos o número
dessas variáveis é bem menor. Imagine duas bolas de bilhar se
chocando em uma mesa plana com um ângulo pré-determinado. Não
será difícil, e isso requer algumas contas a partir de leis simples
da Física, prever qual a trajetória posterior dessas duas bolas.
Mas, se quisermos saber qual bola de loteria será sorteada, a partir
de outras cem, enumeradas seqüencialmente e se chocando
aleatoriamente dentro de uma gaiola suspensa com um orifício na sua
porção inferior, teremos que apostar. Não há fórmula para se
prever um fato desses com exatidão, pois o número de variáveis
envolvidas é por demais numeroso, principalmente o número de
choques dessas bolas por segundo.
Uma das mais simples leis da Física com respeito à sua
expressão matemática, e ao mesmo tempo uma das mais abrangentes em
termos de aplicações na teoria e na prática é a segunda lei de
Newton da Mecânica. Força é o produto da massa de um corpo pela
sua aceleração. Quanto maior a massa de determinado objeto maior
será a dificuldade em acelerá-lo ou desacelerá-lo, sendo esta
dificuldade, a força que usamos para tanto. Temos ainda que aumentar
a força sobre um objeto se quisermos acelerá-lo ou diminuir a sua
velocidade em intensidades cada vez maiores. Esta lei está presente
desde na interação entre duas partículas como um próton e um
elétron como nas engrenagens de uma máquina ou no movimento dos
planetas ao redor do sol. Formulada por Newton em sua obra monumental
de 1687, “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”,
considerada por muitos a maior obra intelectual já realizada por um
só homem, ela é acompanhada da lei da inércia, a primeira lei da
Mecânica, e da lei da ação e reação, a terceira lei.
Na inércia, Newton diz que um corpo em movimento ou
repouso, segundo um determinado referencial, permanecerá neste
estado a menos que alguma força o faça mudar. O homem foi à lua,
nossas pequenas sondas espaciais viajam por bilhões de quilômetros
no espaço visitando os planetas do sistema solar, segundo este
princípio. Basta desligar os foguetes que as impulsionam, quando
atingem uma determinada velocidade desejada, para o movimento dessas
naves não cessar pois não há atrito no espaço. Qualquer objeto
aqui na Terra se comportaria da mesma forma se não houvesse o atrito
a para-lo. Já a terceira lei nos diz que para qualquer ação, de um
corpo a outro, vem acompanhada de uma reação de mesma direção e
intensidade, mas de sentido oposto. O choque de dois automóveis
provoca danos aos dois, embora um possa sofrer maiores perdas devido
ao local da batida ou material de que é constituído. Enfim, se
poderia escrever não um, mas diversos livros sobre essas leis,
tamanho os resultados teóricos e práticos derivados desses três
enunciados, que são leis fundamentais do universo na qual vivemos.
Mas elas não conseguem, principalmente a segunda e a terceira, se
aplicar ao movimento de bolas se chocando dentro da gaiola no sorteio
da loteria.
Mais de noventa por cento das leis da Física, cabem,
cada uma, em meia linha de uma página de caderno e mesmo assim
conseguimos construir um mundo altamente tecnológico e avançado.
Teremos algum dia um conjunto de fórmulas para
determinarmos os resultados de fenômenos estatísticos? Não
sabemos. Mas a Estatística continuará a nos dar informações sobre
tendências de opiniões públicas, previsões de doenças, número
de produtos defeituosos por lote nas indústrias, etc. Ela veio
exatamente para ajudar-nos quando as variáveis essenciais de
qualquer fenômeno natural, ou populacional, eram por demais
numerosas para nossas eficientes mas limitadas formulações
matemáticas de nosso universo. E as coisas são desta maneira porque
o próprio universo é estatístico; nós é que particularizamos
alguns de seus fenômenos, tornando-os simples para podermos
analisá-los como escolher o plano com apenas duas bolas a se
chocarem com um ângulo já calculado e prever o sentido de seus
movimentos após o choque. Aumentando-se em qualquer fenômeno
natural o número de variáveis saímos do campo determinístico e
caímos no probabilístico.
Uma questão crucial neste ponto é
o fato de quem conhece a Estatística saber do poder de uma lei
chamada de regularidade estatística. Se todos os correntistas de um
banco fossem ao mesmo tempo retirar seu dinheiro, o banco, ou seu
conjunto de agências, não o teria prontamente. Os banqueiros sabem
disso e os engenheiros de tráfego sabem que, em nenhum momento,
todas as pessoas sairão de carro de uma só vez. Isto acarretaria
congestionamentos muito piores daqueles habitualmente noticiados nos
telejornais. Eles projetam suas ruas e avenidas contando com esse
fato. O mesmo aconteceu com as notícias do desmatamento. Os
políticos sabiam que poucos esperariam por novos dados nos anos
seguintes e, portanto, a cobrança não seria grande, mas garantiriam
votos nas eleições do ano corrente; no mínimo uma boa propaganda.
Volto a salientar a ignorância ou
comodismo das pessoas em não tentarem ver as coisas pelo ângulo da
Estatística. Talvez seja, para muitos, uma atitude cética e feia
não acreditar de imediato em certos fatos. Mas que fazer perante
uma realidade na qual o tempo é um fator fundamental para sabermos
sobre os destinos de um conjuntos de dados? Parece também igualmente
feio para as pessoas aquela velha estória do “pagar para ver”.
Tomando ainda como exemplo o desmatamento, que poucos conheciam
aqueles políticos. Particularmente me parece muito sensato esperar
para ver até onde eles estariam falando a verdade para depois dar o
meu voto.
Não vejo nenhum empecilho em
tomar atitudes céticas, pois estamos lidando com situações
estatísticas onde os resultados não são imediatos. O fator tempo é
de importância fundamental na compreensão dos fenômenos
estatísticos. Nada garante que os dados de um determinado fenômeno
ou situação permanecerão sempre na mesma média se for pequena a
escala de tempo, tomada como base. E para uma situação tão
complexa como o desmatamento da Amazônia, na qual temos que levar em
consideração os interesses econômicos envolvidos, seu tamanho e o
quanto já foi destruído de sua mata, as necessidades do país e do
mundo em madeira, etc., não podemos em apenas dois anos avaliar o
seu futuro no tocante a essas constantes e mal controladas ações
destruidoras. Mesmo se o governo brasileiro tivesse tomado medidas
para controle do desmatamento, resultando naquela flutuação de
dados que os políticos não alertaram, a espera por resultados
satisfatórios levaria mais algum tempo pois, para se inverter uma
média, só tomando medidas sistemáticas. O exemplo dos bebês
mostra muito bem este fato. A partir de diagnósticos corretos sobre
as causas dos defeitos congênitos e de seu tratamento sistemático é
que teríamos resultados.
No começo deste capítulo, eu, ao
criticar como o homem não pensa estatisticamente, quis realmente
dizer sobre essas médias quando as pessoas se deparam com
ocorrências ligadas a populações. É difícil alguém parar para
refletir se alguma vez tirou uma média de quantos acertos obteve ao
encontrar uma música no rádio na qual estava pensando no momento de
ligá-lo, pois assim veria um dos pontos importantes, dizendo agora
de forma generalizada, do qual trata este capítulo: de tantas
possibilidades, de tantas tentativas, não será difícil acontecer.
Se nunca ocorresse, aí sim seria estranho.
Eu evitei até agora em falar da
palavra que mais assusta as pessoas quando o assunto é a
Estatística: o acaso. Ele é um conjunto de causas levando a um
acontecimento no qual se desconhece as leis envolvidas. Aconteceu
porque foi casual, sem nada que levasse a isso.
Mas para muitos ele não existe.
Se algo acontece é porque existe uma razão para isto e esta razão
deve vir de algo sobrenatural, de forças ocultas, etc. Falar em
origem da vida a pessoas assim é como dizer que por acaso os seres
terrestres surgiram. E não é bem assim; veremos que não foi por
acaso e a falta de conhecimento sobre as coisas é que levam muita
gente a pensar deste modo.
Para finalizar entro na questão
da importância do tempo na ocorrência dos fenômenos estatísticos,
que será fundamental esclarecer ao leitor como mais uma ferramenta
à minha argumentação neste livro.
A probabilidade de sair o número quatro no lançamento
de um dado é de um para seis(1/6). Isto porque das seis faces do
dado apenas uma se posicionará para cima. Mas a probabilidade de
sair o número quatro duas vezes seguidas é de (1/6)x6, ou 1/36,
onde , na média, em trinta e seis lançamentos se conseguirá o
número quatro saindo duas vezes, uma imediatamente após a outra.
Imagine então se quisermos dez, vinte, trinta dessas ocorrências ou
mais. Somente lançando esse dado muitas vezes. Demoraríamos muito
mais para alcançar um resultado desses se os lançamentos forem
realizados em intervalos cada vez mais longos. Se lançarmos trinta e
seis dados quase que simultaneamente veríamos rapidamente o número
quatro aparecendo duas vezes. Diminuímos o tempo entre as tentativas
e o fenômeno teve sua ocorrência abreviada.
Assim, o objetivo principal é entender este caráter
temporal de ocorrência dos fenômenos na medida em que se consegue
um resultado desejado após uma enorme quantidade de tentativas. E o
tempo para conseguirmos será tão menor quanto maior forem o número
de tentativas realizadas em um período, também curto de tempo.
5
– Astronomia e Astrofísica
A
importância dessas ciências
Para
começar eu pergunto do
que é feito nossos corpos. Qual a sua constituição? Qualquer
porção de matéria é constituída de alguma coisa e alguém
poderia se precipitar: somos feitos de carne e osso! Expressão
antiga, verdadeira até certo ponto, mas extremamente simplista. O
homem atravessou milênios em sua história no planeta sem saber que,
de tantas partes do corpo humano, cada qual diferente das outras,
ossos, pulmões, coração, etc., se escondia uma organização
precisa, complexa e hierárquica, mantenedora de sua própria vida.
Essa organização, em muitos níveis invisível aos
nossos olhos, só nos pôde ser revelada após centenas de anos de
investigações de disciplinas como a Medicina, a Biologia e a
Química até que se chegou à descoberta dos tecidos, células,
moléculas e átomos, os constituintes da engrenagem de nossa máquina
vital. Isto não é uma volta ao primeiro capítulo e sim uma breve
introdução para logo após o leitor tomar contato com os
conhecimentos da Ciência que explicam de onde veio a matéria
estrutural básica constituinte dos seres vivos.
Os átomos nos mostram um lado curioso nesta história,
algo que nos faz refletir sobre uma aparente coincidência em termos
de estrutura dos seres vivos, mas que, na verdade, é uma pista da
explicação do porquê a estrutura vital é parecida em todos estes
seres animados: dos noventa e dois elementos naturais, por volta de
quarenta podem ocorrer nos seres vivos, mas dez estão presentes em
todos eles. São eles o carbono, oxigênio, hidrogênio, nitrogênio,
cálcio, fósforo, magnésio, potássio, sódio e enxofre. O corpo
humano, para responder à pergunta do primeiro parágrafo, é
constituído em massa seca, sem o oxigênio e o hidrogênio da água,
de 50% de carbono, 20% de oxigênio, 10% de hidrogênio, 8,5% de
nitrogênio, 4% de cálcio, 2,5% de fósforo, 1% de potássio e menos
de um por cento de magnésio e enxofre. Entra ainda pouquíssimas
quantidades de outros elementos como o ferro, o manganês e o iodo.
Ele possui tecidos duros e esbranquiçados como os ossos, moles e
avermelhados como os músculos, tem formações de células mortas
como os nossos pelos e unhas, diferentes cores de peles para várias
raças, diferentes cores de olhos e cabelos, órgãos de várias
formas, funções e tamanhos, etc.
Os seres vivos possuem uma infinidade de conjuntos de
formações que muito podem intrigar como tanta complexidade reúne-se
em apenas um indivíduo. Eles próprios são um conjunto quase
infinito de variedades de cores, formas, tamanhos, etc. E dá para se
imaginar que tudo isso provém da reunião de uma dezena de
variedades de átomos?
Poderíamos
relacionar milhares e milhares de espécies viventes com respeito a
estruturas particulares, semelhantes entre si como o fígado humano e
o fígado de um bovino, ou não semelhantes como o caule de uma
árvore e os ossos de um dinossauro, que chegaríamos, em última
análise, a estes constituintes básicos presentes em todos eles.
Seria
ingenuidade se não atentássemos para esse fato, porque se algo, e
esse algo representa toda a massa de seres vivos no planeta, é
formado do mesmo substrato material, então de alguma forma esses
componentes se uniram, e, a partir de níveis cada vez mais complexos
em hierarquia e complexidade, deram início a uma longa jornada
evolutiva que levou ao primeiro ser vivo na Terra.
Assim temos, inevitavelmente, a obrigação de olhar
para essa base estrutural que compõe os corpos dos seres vivos,
esses tijolos edificadores, os átomos, para depois compreendermos a
formação de moléculas e substâncias presentes nos seres vivos. E
para tanto devemos olhar para a escalada de conhecimentos da
Astronomia e da Astrofísica.
O início
A observação sistemática de nosso céu remonta há
mais de 15.000 anos. Os antigos observavam mudanças constantes na
posição de certas estrelas que muito mais tarde se descobriu serem
os planetas. Tentavam entender porque outras caíam em direção à
Terra; eram os meteoritos. Ficavam fascinados ao ver objetos deixando
rastros no céu como uma nuvem fina, esticada em relação à sua
principal extremidade; eram os cometas. Dessa maneira nascia a
Astronomia como a Ciência descritiva das posições e observações
dos corpos celestes. Mas pode-se imaginar o quanto de registros
astronômicos não chegaram até nós por diversos motivos, sendo um
dos principais a ausência da escrita com relatos e desenhos em
lugares apropriados como o papel, inventados muito tempo depois.
Mesmo nestas precárias condições de trabalho, digamos
assim, muitos aproveitaram suas descobertas para melhorarem o sistema
de vida de onde habitavam. No antigo Egito um astrônomo descobriu
que pouco antes do rio Nilo ter as suas águas invadindo e destruindo
plantações, a estrela Sírius, nem ainda batizada com esse nome,
permanecia em determinada posição no céu. Ele contou quantas
noites ou dias se passavam até as próximas enchentes. O número deu
trezentos e sessenta e cinco; sim, a base de nosso calendário estava
formada e os egípcios começaram a construir canais de irrigação a
proteger as suas plantações e aproveitar as águas do Nilo em sua
agricultura. E fora daí que encontraram pedras abaixo do solo e,
durante milênios, aprenderam a trabalhar com elas para, com o passar
do tempo, construírem moradias, templos e, finalmente... pirâmides.
Sua civilização floresceu de tal maneira que até hoje se estuda
seus costumes, sua história, sendo uma singela observação
astronômica de um homem, que poderia talvez ter ficado anos e anos
olhando para o céu noturno como apenas um excêntrico para quem o
notasse, um dos determinantes da evolução dessa majestosa e antiga
cultura.
Na China, por volta de 2.000 a.C., existiam escolas de
astronomia desenvolvendo métodos de resoluções de problemas
envolvendo posições do Sol e da Lua. O mesmo desenvolvimento
ocorrera na Mesopotâmia onde os sacerdotes estudavam eclipses
solares e lunares. Na Grécia, devido à racionalidade de seus
filósofos, importantes idéias e descobertas ocorreram durante os
últimos séculos a.C. Aristarco foi quem primeiro imaginou a Terra
como um corpo girando em torno do Sol. Eratóstenes calculou o valor
da circunferência terrestre em uma época na qual se pensava que o
mundo era, geograficamente falando, apenas algumas terras em torno do
Mediterrâneo. Mas foi Hiparco de Nicéia, quem mais se destacou ao
calcular a distância da Terra à Lua e também por organizar
catálogos envolvendo posições estelares. É considerado o maior
astrônomo da Antigüidade e mesmo após o nascimento de Cristo a
Grécia continuou a gerar cientistas dos céus que influenciaram o
pensamento moderno até hoje.
Ptolomeu, em seu trabalho intitulado "Almagesto",
já no segundo século d.C., posicionou a Terra no centro do universo
e Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, os planetas
conhecidos até então, girando ao seu redor juntamente com o Sol e a
Lua. Era o chamado modelo geocêntrico do sistema solar. Para ele as
estrelas estavam fixadas em uma esfera transparente que girava em um
dia em torno do eixo terrestre norte-sul. O Sol e os planetas
percorriam pequenas órbitas, os epiciclos, cujos centros moviam-se
através de linhas ao redor da Terra, as linhas deferentes. Aí
estava lançada uma teoria a respeito do universo a qual permaneceria
intacta por quase quinze séculos principalmente porque na Idade
Média, com os seus rígidos preconceitos e valores baseados somente
em conclusões obtidos da Bíblia, não deixaria a Astronomia, como
as outras ciências, se desenvolverem plenamente com base na razão
e na experimentação. Fora a conhecida "Idade das Trevas"
para o pensamento racional e só a partir do Renascimento no século
XVI as coisas puderam ter suas chances de mudar.
Em 1543, o astrônomo teuto-polonês Nicolau Copérnico
publica o livro "Sobre a Revolução das Órbitas Celestes"
no qual concebe um modelo do Sistema Solar colocando o Sol no centro
de todos os planetas. Este modelo, denominado heliocêntrico, viria a
ser reconhecido como aquele mais próximo da realidade,
principalmente após o uso sistemático de uma invenção na qual a
Astronomia ganharia um enorme impulso em seu desenvolvimento: o
telescópio.
Fora o cientista italiano Galileu Galilei, no começo do
século XVII, quem, dentre outras de suas valiosas contribuições à
Ciência, fundou o método experimental na Astronomia ao utilizar o
telescópio de maneira a observar e a registrar minuciosamente o que
se via nos céus noturnos. Assim a Astronomia passou de uma Ciência
praticada a olho nu à outra em que um instrumento científico trazia
para mais próximo do observador aqueles objetos que há milênios
eram admirados pelos homens. Ele defendeu a proposta de Copérnico e
por isso fora julgado e condenado pela Inquisição à prisão
domiciliar para o resto de sua vida. E ainda teve que se pronunciar
perante o tribunal que era a Terra o centro do universo e não o Sol,
pois senão seria condenado à morte. Conta-se de uma passagem sua
após o pronunciamento no qual ele murmurou "no entanto ela se
move", dizendo a respeito de suas crenças inabaláveis sobre a
verdadeira estrutura do sistema solar.
O telescópio foi cada vez mais se aperfeiçoando e
aumentando seu tamanho. Galileu usou o chamado telescópio refrator
na qual dispunha apenas de lentes para as suas observações. Newton
inventou o telescópio de reflexão introduzindo espelhos em seu
interior para se obter melhores imagens dos astros. A Astronomia
avançava graças a estes instrumentos sempre aperfeiçoados pelos
cientistas mas uma revolução estaria por vir a partir da segunda
metade século XIV e começo do século XX. Além do advento da
fotografia começou-se a introduzir o espectroscópio para análise
da luz emitida pelos corpos celestes. A presença deste instrumento
na Astronomia aconteceu depois que diversos cientistas em todo o
mundo começaram a realizar experiências com corpos aquecidos em
laboratório. Uma porção de matéria quando aquecida a uma certa
temperatura emite uma freqüência de radiação eletromagnética,
sua cor, na qual se pode determinar, entre outras coisas, sua
composição química. O elemento sódio, por exemplo, emite uma luz
amarela intensa enquanto a cor da luz de compostos de estrôncio é
vermelha. Desta maneira, o químico alemão Robert Bunsen, juntamente
com o físico também alemão Gustav Kirchhoff, em 1860, descobriu o
césio e, em 1861, o rubídio.
Para objetos como uma estrela ou qualquer outro emissor
de ondas eletromagnéticas, obtém-se uma imagem batizada de
espectro, no qual os comprimentos de onda presentes na radiação
ficam ordenados em uma seqüência progressiva passível de uma
análise minuciosa sobre os elementos constituintes do corpo. A luz
do Sol, por exemplo, é decomposta nas conhecidas "sete cores do
arco-íris", vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e
violeta, e, com isso, os cientistas passaram a estudar a sua
composição. O astrônomo inglês Joseph Lockyer denominou de hélio
a linha amarela no espectro solar a qual se achava pertencer ao
hidrogênio. Este não emitia tal faixa e assim um novo elemento
químico estava sendo descoberto. Só anos mais tarde o químico
escocês William Ramsay descobriu o elemento hélio em nosso planeta
confirmando a previsão de Lockyer.
Essas análises espectroscópicas ainda abrangem os
objetos emissores de raios-X, raios gama, ondas de rádio, enfim,
diversos comprimentos de onda espalhados pelo universo e que chegam
até nós através do escuro e aparentemente vazio espaço sideral.
Elas nos fornecem informações não só sobre a composição química
dos astros mas também da temperatura, campo magnético, densidade e,
o que é de grande valor aos cientistas, dos fenômenos físicos
presentes nos interiores destes corpos celestes. Assim, pela primeira
vez na história das ciências o homem pôde conhecer, utilizando
instrumentos terrestres, o que ocorria dentro de estrelas, planetas,
nebulosas, etc.; objetos estes localizados a bilhões, trilhões de
quilômetros de distância ou mais, e que tanto foram contemplados a
olho nu durante os milênios passados.
A Astrofísica surgiu para estudar este novo campo de
conhecimentos que rapidamente começou a revelar muitos segredos
sobre a constituição e origem de nosso universo. E o homem teve
finalmente em suas mãos uma Ciência para diretamente relacionar
fatos importantíssimos da Física com a Biologia no tocante aos
assuntos que dizem respeito à origem da vida. Fatos estes sobre a
base material da estrutura dos organismos vivos: os átomos e as
moléculas.
Galáxias
e estrelas
Em 1929, o astrônomo norte-americano Edwin Powell
Hubble, descobriu que as galáxias se movimentam umas em relação às
outras. Galáxias são enormes conglomerados estelares contendo
centenas de bilhões de estrelas. Como Hubble descobriu? Através da
análise espectral da luz das galáxias no batizado efeito Doppler.
Uma onda eletromagnética como a luz tem, em seu espectro, uma cor
azul predominante se ambos, objeto e observador estiverem
aproximando-se entre si. Ao contrário, o registro espectral mostrará
uma predominância da cor vermelha. Uma comparação para o leitor
entender facilmente como o efeito Doppler se processa com as ondas
eletromagnéticas seria dar um exemplo oriundo da mecânica, ou, mais
precisamente, de ondas mecânicas, do estudo do movimento de
partículas materiais. Ao avançar em direção às ondas em uma
praia, você se encontrará com um maior número delas do que quando
se afasta tomando o sentido do movimento das mesmas. O mesmo ocorre
com qualquer tipo de onda eletromagnética.
Hubble verificou que as galáxias, em sua maioria,
apresentam em seus espectros uma predominância para a cor vermelha a
qual fora denominado de "desvio para o vermelho". Deduziu
que elas se movimentam afastando-se continuamente entre si, e, ainda,
tanto mais rapidamente quanto maior a distância uma da outra. Isto
é realmente um fato muito curioso, pois elas não estão se
deslocando aleatoriamente no espaço revelando um padrão no qual
leva a uma conclusão completamente admissível em termos lógicos:
outrora estavam todas juntas! Para entender como isto funciona,
através de uma visão clássica sobre o assunto e mais uma vez com
analogia aos fenômenos mecânicos, imagine a explosão de uma
granada. Os estilhaços mais distantes do centro da explosão possuem
velocidades maiores que os mais internos, em qualquer direção.
Estilhaços vizinhos se afastam entre si pois se movimentam ao longo
de retas que formam um certo ângulo medido a partir desse centro. É
como dois automóveis em uma rodovia na qual, em dado momento, um
deles toma outra estrada a partir de um entroncamento qualquer. Mesmo
se o ângulo entre estas duas rodovias for pequeno, eles se afastarão
entre si pois estão em caminhos divergentes. Portanto, em nosso
universo, qualquer observador verá galáxias se afastando da sua,
estando errado supor que vive no centro desta expansão, embora seja
esta exatamente a sua impressão: galáxias vizinhas se afastam ou
porque possuem velocidades menores, ficando cada vez mais para trás,
ou velocidades maiores, se afastando continuamente para frente, ou
porque, independente de suas velocidades, a distância aumenta devido
à divergência de caminhos em que se encontram.
Uma explosão, como a da granada em nosso exemplo, dera
início a esta configuração de posições e velocidades das
galáxias observada atualmente nos telescópios do mundo inteiro.
Este fora o que os cientistas batizaram de momento inicial de
nascimento de nosso universo, citado por mim no primeiro capítulo,
o Big Bang ou a grande explosão, tendo ocorrido há mais ou menos
treze bilhões de anos. Embora esse valor possua algumas variações,
indo até quinze e mesmo até dezoito ou vinte, sua ordem de
grandeza está correta, situando-se na segunda dezena de bilhões de
anos atrás. Existem hoje em dia teorias acerca do Big Bang mostrando
um cenário um tanto diferente da maneira clássica de nosso exemplo
mas que também corroboram com a idéia de expansão do universo. Uma
dessas teorias, a do físico norte-americano Alan Guth, na década de
80, coloca a grande explosão como um inchaço de matéria e energia,
chamado de cenário inflacionário, que com o tempo determinou o
agrupamento de "ilhas" desse material do qual o universo se
constituía, formando as nossas galáxias. Teorias deste tipo
requerem um conhecimento aprofundado das partículas subatômicas e
das forças interativas entre elas como as forças nucleares. Porém
basta a nós a imagem de uma expansão de matéria em todas as
direções.
Voltemos à nossa granada. Em uma foto tirada a
qualquer instante após a sua explosão, notaríamos que seus
estilhaços não guardam entre si a mesma distância. Claro, um grupo
deles aqui pode manter uma distância média menor entre seus
“componentes” que outro vizinho. Seria muito improvável termos
todos os estilhaços guardando a mesma distância; uma configuração
até quase que impossível em termos estatísticos.
Assim
estava o universo em seus primeiros momentos de vida. Qualquer grupo
de matéria, entre tantos, pôde ser levado a se aproximar
continuamente devido aos efeitos da gravidade, se contraindo enquanto
se afastava do ponto da explosão; e
nessas
contrações a matéria era levada por fim a se juntar formando
estrelas e galáxias.
O Sistema Solar pertence à Via-Láctea, uma galáxia
com mais de cem bilhões de estrelas. Calcula-se a extraordinária
quantia de cem bilhões de galáxias em nosso universo e ainda sim
este número não é definitivo pois novos pontos não estudados,
estão sempre na mira de instrumentos cada vez mais sensíveis às
radiações emitentes por estes gigantescos aglomerados estelares.
As galáxias podem ser divididas quanto às suas formas
em espirais, irregulares e elípticas. O tipo espiral é a mais comum
e geralmente possui dois braços em lados opostos ao núcleo. Uma
concentração difusa, praticamente aleatória de estrelas dá origem
às galáxias irregulares e, como o próprio nome indica, um
agrupamento com formato elíptico corresponde ao terceiro tipo de
galáxia mencionado. Muitas delas não se classificam nestas três
categorias e podem levar o nome do astrônomo que as descobriu ou
possuir uma designação baseada em um simples conjunto de letras. A
Via-Láctea provavelmente tem o formato em espiral semelhante a um
cata-vento com a maior parte das estrelas em seus braços que se
dirigem ao seu brilhante núcleo. Pelo fato de estarmos em seu
interior não podemos ter certeza de seu formato; na verdade estamos
a uma distância de dois terços do comprimento do raio a partir do
centro e, o Sistema Solar, percorre um longo caminho girando em volta
desse centro completando uma volta em aproximadamente 200 milhões de
anos!
As dimensões galáticas são algo realmente espantosas.
Esse centro da Via-Láctea é um disco luminoso com um diâmetro
aproximado de 100.000 anos-luz e com a espessura de 25 mil anoz-luz.
Só para se ter uma idéia do que esses números representam, um
ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano viajando à
incrível velocidade de 300.000 quilômetros por segundo. Isso
corresponde a quase nove e meio trilhões de quilômetros!
A galáxia de Andrômeda é a mais próxima à nossa e
pode ser visível, sob condições apropriadas, a olho nu. Possui
cerca de quatrocentos bilhões de estrelas, é do tipo espiral e
situa-se a mais ou menos 2,25 milhões de anos-luz; multiplique esse
valor por 9,5 trilhões e terá a distância em quilômetros!
Você muitas vezes pode ter olhado ao céu e visto um
pequeno ponto luminoso igual a uma estrela, sem saber que aquilo
seria um conjunto de centenas de bilhões de corpos luminosos com
tamanhos comparáveis ou maiores que o do nosso Sol. Andrômeda é
muito estudada devido à sua proximidade; foi descrita pela primeira
vez por Hubble na década de 20 e pertence ao agrupamento de
galáxias, da qual também fazemos parte, denominado de Grupo Local.
Sim, as galáxias também formam sistemas, grupos, e não são
constituídas apenas por estrelas e também por gases e poeiras. A
presença de gás e poeira nos interiores galáticos aparece em
proporções diferentes para cada uma delas, sendo o hidrogênio
muito fácil de ser reconhecido pelos radioastrônomos. Enfim, esses
conglomerados de estrelas começaram a surgir logo depois do Big Bang
e continua até hoje; além do mais podem ocorrer choques entre
galáxias que se aproximam e mesmo Andrômeda, analisada pelo efeito
Doppler, tem um desvio de sua luz para o azul indicando que se
aproxima de nós.
As galáxias são reuniões de estrelas mantidas pela
força gravitacional entre elas. É na formação das estrelas e nos
fenômenos físicos em seus interiores que encontraremos as respostas
necessárias ao objeto deste capítulo.
A matéria lançada ao espaço nas origens do universo
era basicamente constituída de prótons, núcleos de hidrogênio por
assim dizer, porque um átomo deste elemento químico contém apenas
um próton no núcleo com um elétron orbitando ao seu redor.
Conforme os núcleos de hidrogênio se uniam, mais e mais matéria
se aglutinava devido à força da gravidade agindo nas vizinhanças
desses pontos, gerando atrito e consequentemente calor,
proporcionando o início das reações de fusão nuclear. A fusão
nuclear depende de temperaturas elevadíssimas para se processar e aí
começa a vida de uma estrela. Dentro delas os núcleos de
hidrogênio se fundem formando núcleos de hélio, liberando energia
na forma de neutrinos, partículas de massa quase zero e sem carga
elétrica. São liberados também os raios cósmicos que são também
prótons, núcleos de hidrogênio ou algum elemento mais pesado com
altas velocidades e portadores de carga elétrica. Por último, como
não poderia ser de outra maneira porque se não fosse assim não
enxergaríamos nenhuma estrela, há uma descarga violenta de fótons
de luz. Essas emissões de fótons abrangem o espectro
eletromagnético indo dos energéticos raios gama até as ondas de
rádio. As reações desta natureza são chamadas de fusão nuclear
porque há uma união de núcleos de átomos para formarem outros,
sendo que as bombas nucleares de fusão ou de hidrogênio possuem o
mesmo princípio, liberando rapidamente energia com fins de explosão
e, portanto, com fins militares. Nas também famosas bombas atômicas
ocorrem fissões ou quebras de núcleos de átomos com posterior
liberação de energia na forma de calor, raios gama, núcleos de
hélio, etc. Praticamente uma é o inverso da outra, com algumas
diferenças no tocante às radiações emitidas e pelo fato de que a
bomba de fusão é muito mais violenta. Para se ter uma noção dessa
violência, basta dizer que a bomba atômica ou de fissão é usada
como estopim para se produzir as temperaturas necessárias de ignição
da bomba de hidrogênio.
Se as estrelas necessitam das reações de
fusão para existirem, o nosso Sol não fuge a esta regra. Em seu
núcleo, a uma temperatura perto de 15.000.000 de graus centígrados,
a fusão converte cerca de 600.000.000.000 de toneladas de hidrogênio
em cerca de 595.800.000.000 em hélio por segundo. Essa perda de
matéria, 4.200.000.000 de toneladas, é convertida nas radiações
já descritas no parágrafo anterior. Essas fantásticas cifras
explicam o porquê do brilho de uma estrela ser tão espantoso.
Elas na verdade, são corpos gasosos como
também são os grandes planetas de nosso sistema solar, Saturno,
Júpiter, Urano e Netuno. O Sol tem uma densidade média de 1,41
g/cm3, bem maior
que os gases daqui da Terra mas parecida com a densidade média
desses planetas. Mas porque ele é considerado gasoso? O gás mais
denso conhecido possui uma densidade de apenas um centésimo desse
valor 1,41 g/cm3.
Devido à enorme pressão gravitacional no interior do Sol, os átomos
são esmagados entre si e os elétrons perdem suas órbitas
regulares. Os núcleos atômicos conseguem mais espaço e começam a
se movimentar e até chocar entre si; a matéria entra em um estado
diferente de tudo que conhecemos, na qual sua densidade é elevada
mas suas partículas permanecem em um contínuo movimento rápido e
desordenado como em um gás. Muitos estudos revelam que nesse estado
a matéria se comporta como um gás, tendo muitas de suas
propriedades e por isto as estrelas são realmente consideradas como
gasosas. Nos núcleos dos planetas como Saturno, a densidade chega a
ser maior que em suas camadas exteriores, mas não há força da
gravidade suficiente para uma ruptura de seus átomos como acontece
em uma estrela.
Mesmo o Sol, com um diâmetro de 139.200.000 de
quilômetros, quase cento e dez vezes maior que o diâmetro médio da
Terra, é considerado uma estrela de quinta grandeza, bem menor que
as de primeira grandeza.
Esta denominação de quinta grandeza pertence a uma
classificação feita pelos cientistas. Ocorre que quanto maior é a
massa de uma estrela maior fora, evidentemente, a massa na qual sua
ignição tivera início. Portanto, maior é a sua temperatura
interior e, também, a sua luminosidade. Essa relação direta da
massa com a luminosidade foi proposta pela primeira vez pelo
astrônomo inglês Arthur Stanley Eddington e recebeu o nome de lei
da massa-luminosidade. As estrelas obedecem rigorosamente a esta
regra e, desde as mais quentes até as mais frias, seus espectros
apresentam traços característicos, as raias, nas quais seus
formatos e cores nos informam o quão luminosas elas são. Os
cientistas classificaram as estrelas de acordo com o que chamaram de
classes espectrais, em uma seqüência de letras, O, B, A, F, G, K,
M, R, N e S, nesta ordem, respectivamente, para a grandeza de suas
massas e luminosidade; e dividiram cada uma em dez subclasses
enumeradas de 0 a 9. Por exemplo, uma estrela K0 possui maior massa e
luminosidade que uma K3, mas seu brilho não é maior que qualquer
uma da classe G ou anterior. Esta seqüência de classes é
denominada de seqüência principal, onde abrange 90% das estrelas
conhecidas, sendo as outras 10% estrelas nada comuns que mencionarei
mais adiante. O Sol pertence à classe espectral G2, uma estrela de
tamanho médio. Estrelas de primeira grandeza, da classe O e suas
subclasses, chegam a possuir uma massa de dezenas de vezes a do Sol e
ter uma luminosidade 6.000.000 de vezes maior.
Dentro
dessa classificação espectral podemos ir mais longe e relacionar a
temperatura com a cor destes astros. A classe O apresenta estrelas
azuis com temperaturas superficiais de 25.000 a 40.000oC.
Indo em direção da classe F as estrelas vão se tornando brancas e
atingindo temperaturas de 6.000 a 7.500 oC
enquanto que o Sol, com sua superfície a quase 6.000oC,
é amarela. Na classe K elas apresentam uma coloração alaranjada a
3.500 a 5.000oC
e, por fim, de 3.000 a 3.500oC
estão aquelas mais frias e de cor vermelha.
Se olharmos toda noite atentamente o céu, nos parecerá
que ele sempre se apresenta do mesmo modo, com as estrelas sempre no
mesmo local como da última vez. Na realidade elas estão se movendo
a velocidades altíssimas pois, não esqueçamos, o Big Bang
arremessou toda a matéria do universo em uma fantástica explosão,
como já disse, há treze bilhões de anos aproximadamente. Mas as
estrelas às quais estamos acostumados a embelezar nosso céu, estão
longe demais da Terra para que seus movimentos sejam notados.
Outra
impressão errônea diz respeito aos seus tamanhos. Os quatro corpos
mais brilhantes que nos apresenta o nosso céu são o Sol, a Lua, o
planeta Vênus e a estrela Sirius. Mas esta última se situa a nada
menos que 8,8 anos-luz de nosso sistema solar e possui um diâmetro
quase duas vezes o do Sol e irradia 35 vezes mais energia que ele.
Ainda
tão ou mais intrigante é o fato de vermos os brilhos estelares como
eles eram a milhões ou bilhões de anos atrás. Sim, porque, como a
distância é muito grande, mesmo a luz viajando rapidamente até
nós, ela demora muito tempo para vencer toda a distância que separa
essas estrelas de nosso planeta.
O Sol está a 150.000.000 de quilômetros da Terra; no
momento em que ele emite um raio de luz este demora por volta de oito
minutos para chegar por aqui. Assim nós o estamos vendo como ele
"era" há oito minutos atrás. A estrela mais próxima da
Terra se chama Próxima Centauri e está localizada a quatro anos-luz
de distância ou aproximadamente 40 trilhões de quilômetros. Sua
luz leva, portanto, quatro anos para chegar aqui. Nós a vemos como
era há quatro anos. Objetos situados a dezenas de bilhões de
anos-luz já foram detectados pelos cientistas proporcionando
informações de como era o nosso universo naquele tempo. Deste modo
todo o nosso céu "pertence" ao passado e o que vemos nele
já aconteceu, então, há centenas, milhares, e até bilhões de
anos atrás.
Quando da contração da matéria que forma uma estrela,
a força gravitacional aglutinadora fica contrabalanceada pela
energia gerada pela fusão no sentido oposto. A matéria em
contração tem um limite para obedecer. Lembramos que a força
gravitacional sempre está agindo onde exista qualquer concentração
de matéria no sentido de reunião, de agrupar elementos, sejam eles
quais forem. Um fato a mencionar, diz respeito à diferença
fundamental entre estrelas e planetas. A estrela, por possuir massa
bem maior que um planeta, gera uma maior quantidade de calor por
atrito durante a sua formação, conseguindo assim iniciar as
reações de fusão nuclear responsáveis pela sua luminosidade.
Elas possuem luz própria, são incandescentes. A Terra, como os
outros planetas, e também satélites como a Lua, apenas refletem a
luz solar. Há uma ressalva para Júpiter porque ele reflete
aparentemente mais luz do que recebe. Este paradoxo, dizem alguns
cientistas, pode ser resolvido se conseguirmos confirmar uma hipótese
que ele, o maior planeta do sistema solar, teve uma temperatura
interior suficiente para desencadear reações de fusão, ainda que
não tão violentas como em uma estrela típica. Júpiter situa-se,
provavelmente, com respeito às definições correntes, como um
objeto intermediário entre estrela e planeta.
A fusão nuclear, então, mantém uma estrela
irradiando energia ao espaço e conforme o tempo vai passando o hélio
acumulado em seu interior, ao chegar em um ponto crítico em termos
de quantidade, se funde formando núcleos de elementos ainda mais
pesados com conseqüente liberação de energia. Dessa maneira são
produzidos o carbono, o nitrogênio, o oxigênio, etc. Sim, os átomos
de nossos corpos foram produzidos nos interiores de estrelas há
bilhões de anos mas algo tinha que acontecer para expulsá-los pois
senão nenhum de nós estaria por aqui!
Corpos excêntricos
Neste momento das reações nucleares de uma estrela
onde se tem a fusão de átomos de hélio, a pressão de dentro para
fora faz com que ela se expanda até chegar a um estágio denominado
de gigante vermelha. Rompe-se o equilíbrio gravitacional-fusão
nuclear e ela literalmente aumenta de volume.
Gigantes
vermelhas ocorrem muitas vezes em nosso universo e o Sol, daqui a
aproximadamente cinco bilhões de anos atingirá este ponto. A
expansão levará sua superfície até Mercúrio, a uma distância
média de 58.000.000 de quilômetros de seu centro, ou até mesmo
Vênus. A temperatura aqui na Terra passará de 100oC,
onde o destino do homem do futuro estará ameaçado a não ser que se
mude para outros mundos. Mas, como todo combustível tem o seu
término, a fusão nuclear em uma gigante vermelha chegará próxima
de seu fim e a força da gravidade suplantará qualquer pressão
ainda existente no interior da estrela. Ela diminuirá de tamanho até
formar o que os cientistas chamam de anã branca, um objeto pálido e
pequeno, onde seu limite de tamanho é determinado pelo contato das
eletrosferas, a região espacial dos átomos onde os elétrons giram
ao redor do núcleo, e que não se deixam interpenetrarem devido à
imensa repulsão eletromagnética; força mais forte que a
gravitacional. A grande estrela vermelha chega a decrescer em até
20.000 vezes de volume e sua luminosidade é de 1.000 a 10.000 vezes
menor que a luminosidade das estrelas médias. Sua densidade no
núcleo pode chegar a 100.000 kg/cm3;
imagine um pequeno cubo de um centímetro de aresta possuir uma massa
de 100.000 kg ou 100 toneladas!
Sirius B, uma anã branca componente de um par de
estrelas, um binário, juntamente com a sua companheira batizada de
Sirius A, outrora possuía massa e volume quase igual a do Sol. O
raio solar é de 700.000 quilômetros, enquanto Sirius B possui um
raio de aproximadamente 25.000 quilômetros.
Muitas
anãs brancas foram detectadas daqui da Terra e mesmo elas perderão
continuamente o pouco de energia que ainda resta em seus interiores
para se tornarem escuras e frias. Neste estágio elas são
denominadas de anãs negras e possuirão temperaturas pouco acima do
zero absoluto que é de -273oC.
O Sol chegará um dia, daqui a uns cinqüenta bilhões de anos, a
deixar o estágio de gigante vermelha para se contrair e se
transformar em uma inexpressiva anã branca. Presume-se que a
superfície terrestre estará a 200oC
negativos neste futuro sombrio e gelado de nosso sistema solar!
Anãs brancas formam-se a partir de estrelas com massas
de até 1,4 vezes a do Sol após passarem pelo estágio de gigante
vermelha. Este possui uma quantidade de matéria da ordem de dois
quatrilhões de trilhões de toneladas, pouco mais de 330.000 vezes a
massa da Terra que é da ordem de seis bilhões de trilhões de
toneladas. As estrelas com massa entre 1,4 e 3,2 vezes a do Sol
possuem um campo gravitacional suficiente para esmagar os átomos
comprimidos de seus interiores onde suas órbitas eletrônicas estão
em contato. Mas desta vez, ao contrário do interior do Sol, os
elétrons são forçados para dentro dos núcleos atômicos e, a
partir disto, se combinam com os prótons até formarem nêutrons.
Como o número de prótons é quase igual ao de elétrons surgirá
então dessas reações um objeto predominantemente, mas não por
completo, composto de nêutrons denominado de estrela de nêutrons.
Seu diâmetro é reduzido a 100.000 vezes do tamanho original e se a
Terra fosse convertida em um corpo desse, sem perder sua massa, ela
teria aproximadamente só 130 metros de diâmetro. Se a densidade
nuclear de uma anã branca assusta a qualquer um, a de nêutrons
atinge números fantásticos da ordem de 1,5 bilhões de toneladas
por centímetro cúbico!
Como a matéria consegue chegar a este ponto? Faz-se
necessário explicar aqui certos fatos para o leitor ter uma noção
de como isto é possível. Um átomo possui um núcleo com elétrons
girando ao seu redor. Até aí não é novidade para ninguém. O
tamanho total do átomo, seu diâmetro, é cerca de 100.000 vezes
maior que o tamanho de seu núcleo ou, seu raio, 50.000 vezes maior
pois o raio tem a metade do diâmetro. Então ele é simplesmente
constituído na sua maior parte de vazio! Se o núcleo de um átomo
tivesse um centímetro de diâmetro os elétrons estariam girando a
uma distância de 50.000 centímetros ou 500 metros de seu núcleo. E
se conseguirmos colocar todos os elétrons encostados no núcleo do
próprio átomo? O diâmetro decresceria 100.000 vezes mas a sua
massa continuaria a mesma.
Nós somos constituídos de átomos; por isso uma pessoa
de 80 kg seria reduzida a um tamanho menor que um grão de poeira,
mas continuaria com a mesma massa. Nossos corpos são também
constituídos em sua maior parte de vazio, mas não percebemos por
apenas uma questão dos limites de nossos sentidos.
Estrelas
de nêutrons foram previstas teoricamente nas décadas de 30 e 40 mas
o grande problema era detectá-las porque seus diâmetros seriam da
ordem de poucas dezenas de quilômetros e, mesmo com uma temperatura
superficial altíssima, perto de 10.000.000 oC,
as distâncias em que se encontravam da Terra poderiam ser muito
grandes. Mas como eu já afirmei aqui, nosso século foi marcante,
entre tantos desenvolvimentos tecnológicos, no aperfeiçoamento das
análises das radiações eletromagnéticas provenientes do espaço.
Na década de 60 foram detectadas emissões fortíssimas de
microondas vindas de uma direção específica no céu, mas com uma
peculiaridade jamais conhecida pelos cientistas: uma emissão
pulsante regular, precisa, com uma pulsação a cada 1,34 segundos. O
emissor dessas radiações teve o nome de pulsar e até agora mais de
uma centena deles já foram descobertos e acredita-se na existência
de centenas de milhares somente em nossa galáxia. O período de
pulsação varia de um objeto para outro e os cientistas puseram-se a
trabalhar no intuito de descobrir o porquê dessas emissões tão
regulares de radiações.
Uma estrela de nêutrons contém uma certa quantidade de
elétrons e prótons que não se combinaram por ocasião da contração
estelar e por isto possui campo magnético. Ele é bem intenso devido
ao próprio tamanho reduzido desse tipo de estrela. Os elétrons são
arremessados para fora dela pelos pólos magnéticos, os únicos
lugares permitidos porque é onde há uma neutralização das forças
eletromagnéticas. Devido ao campo magnético e a força
gravitacional da estrela eles descrevam uma curva mas voltam em
seguida e perdem energia na forma de microondas. Assim, como no caso
de um esguicho rotativo de água, a estrela periodicamente emite
radiação para a Terra. Esta é uma teoria aceita hoje em dia na
qual então os pulsares são as estrelas de nêutrons previstas em
teoria há décadas atrás.
As estrelas de nêutrons formam-se a partir de estrelas
com massas, entre 1,4 e 3,2 a massa do Sol. E para estrelas maiores?
O arrasto gravitacional pode ser suficiente para que os nêutrons não
aguentem tamanha força e a estrela continuaria a se contrair até um
volume infinitesimal. Não há reações físicas ou químicas, com
conseqüente liberação de energia, a contrabalançar essa tremenda
força gravitacional que irá comprimir os nêutrons até a estágios
inconcebíveis de densidade. A partir disto chegamos em um dos corpos
mais misteriosos e ao mesmo tempo mais espetaculares do universo: os
buracos negros. Negros porque a luz não escapa de dentro deles
devido à gravidade; e buraco porque a sua massa irá atrair
constantemente quaisquer outros objetos ao seu redor. São objetos
oriundos de estrelas de massas tão grandes que atraem facilmente
sistemas solares inteiros, nuvens de gás dispersas no espaço,
aglomerados estelares, etc. Deste modo, há um aumento de sua massa
pelo qual ele fica mais poderoso com capacidade de atrair outros
corpos mais distantes. Existem teorias as quais predizem que o
universo inteiro pode um dia terminar em um imenso buraco negro! Mas
este assunto foge ao propósito deste livro.
Um corpo atraído por um buraco negro será simplesmente
despedaçado pela enorme força gravitacional a qual será submetido
e, pelo chamado efeito de maré, ele ganhará calor e emitirá uma
enorme quantidade de raios-X. O efeito de maré consiste em um
"esticamento" de determinado objeto, pela diferença da
gravidade entre a porção mais próxima e a mais distante do corpo
que o está atraindo. A força da gravidade atua com maior
intensidade quanto maior for a proximidade dos corpos envolvidos. Nós
estamos submetidos aqui na Terra a uma maior gravidade em nossos pés
que em nossas cabeças, mas a nossa altura não é tão grande a fim
de que essa diferença de forças seja percebida. A própria massa do
planeta também não permite tamanha diferença. Mas com objetos de
proporções imensas como os estelares e nas vizinhas de um
fortíssimo campo gravitacional as coisas realmente são outras. A
matéria nesses lugares será como se estivesse sendo rasgada e com
isso emitirá raios-X pelo calor que produzirão.
Encontrar um buraco negro no espaço não é fácil
porque ele não emite luz, mas é só os cientistas se concentrarem
nos locais do universo onde as emissões de raios-X possuem uma
atividade incomum. Foi na década de 60, a partir de observações
realizadas em foguetes, que na constelação do Cisne se descobriu
uma fonte de raios-X a qual recebeu o nome de Cisne X-1. Mais tarde
verificou-se que Cisne X-1 é um sistema composto de uma estrela e um
invólucro gasoso ao seu lado onde possivelmente um buraco negro
esteja sugando este material o qual emite raios-X.
Expulsão
Um fenômeno raro de acontecer, o qual provavelmente o
leitor jamais presenciou, é uma estrela repentinamente aparecer no
céu. Com os telescópios os cientistas já observaram estrelas
invisíveis a olho nu aumentando de brilho, em dias ou semanas, para
depois, em até meses, empalidecerem. Evidentemente, após a invenção
do telescópio foi mais fácil se notar algum acontecimento deste
tipo. Muitas estrelas aumentam de brilho de uma hora para outra mas
como estão situadas a enormes distâncias de nós seria necessário
o uso do telescópio para realmente notarmos um fenômeno assim.
Estas estrelas são as novas, designação proveniente do título de
um livro, “A Respeito da Estrela Nova”, do astrônomo dinamarquês
Ticho Brahe, onde ele descreveu uma aparição repentina de uma
estrela na constelação Cassiopéia, em 1572. Mesmo de dia essa nova
podia ser vista; seu brilho era por volta de cinco a dez vezes maior
que Vênus e, se não havia Lua no céu, ela conseguia formar sombra,
embora fraca e à noite, nos objetos aqui na Terra. Cerca de vinte a
trinta novas ocorrem em nossa galáxia a cada ano. Hiparco de Nicéia
preparou seu mapa estelar após uma aparição de uma nova em 134
a.C. só para identificar qualquer estrela que porventura surgisse no
céu. Trata-se mesmo de algo impressionante, algo nada comum pois a
nossa impressão do céu e das estrelas é de imutabilidade,
permanência e jamais alguém desconfiaria que além dessas poucas
modificações percebidas ao longo dos séculos, estariam fenômenos
dos mais incríveis e inimagináveis para a mente humana.
As novas são estrelas duplas, uma anã branca e outra
comum. Esta segunda ao chegar no estágio de gigante vermelha perde
massa na forma de gás para sua companheira menor. Esta desencadeia
rapidamente reações de fusão nuclear, explodindo e lançando gás
a temperaturas altíssimas ao espaço, aumentando temporariamente
seu brilho. Mas acontece que a estrela de Hiparco não era na verdade
uma nova típica. Ela aumentara de luminosidade em grau muito maior
que as novas comuns, e isso Hiparco nunca poderia saber pois sua
época era escassa em tecnologia e conhecimentos. A nova de Ticho,
como outras catalogadas nos anos de 1006, 1054 e 1604 dC., haviam
aumentado de luminosidade em dezenas de milhares de vezes que uma
nova típica e, em 1885, na galáxia de Andrômeda, se descobriu uma
nova que havia aumentado em 100.000 vezes seu brilho original. Deste
fato apareceu o termo supernova. São estrelas com massa de até 50
ou 60 vezes a de nosso Sol com uma temperatura interna atingindo
cinco bilhões de graus centígrados, que possibilitam o
acontecimento de fenômenos nada comuns para as estrelas mais leves.
Em determinadas situações a produção de neutrinos é muito
elevada e estes, por possuírem massa bem pequena, escapam
rapidamente do núcleo da estrela tornando-o mais frio em pouquíssimo
tempo. Neste instante há um desequilíbrio momentâneo entre as
pressões de dentro para fora e de fora para dentro, levando a
matéria circundante ao núcleo se aproximar com uma força
suficientemente poderosa para desencadear violentas reações de
fusão que levarão por fim a uma explosão da estrela. Ela chega a
perder 95% de sua massa original enquanto que uma nova não arremessa
grandes quantidades de matéria ao espaço.
A
matéria primeva
A Astrofísica revela uma face surpreendente mas não
menos excêntrica da realidade de nosso universo. Anãs brancas,
gigantes vermelhas, estrelas de nêutrons, buracos negros, novas e
supernovas são alguns dos objetos mais estranhos que o universo
possui. Neles, a matéria e a energia se apresentam em uma forma
diferente da qual estamos acostumados com o que vemos aqui na Terra,
razão pela qual eles são realmente corpos excêntricos. O Sol
irradia energia e, em comparação com objetos a temperaturas
elevadas em nosso dia a dia, qualquer um poderia supor que haveria
uma época na qual ele cessaria de brilhar por esgotar a sua fonte de
combustível. Mas quem imaginaria um aumento de tamanho nas
proporções de uma gigante vermelha, terminando com a vida aqui na
Terra, para depois se transformar em uma pálida e pequena anã
branca? Como seria possível um fenômeno destes? Que objeto
terrestre, ao perder imensas quantidades de energia continuamente,
incha em tamanho de uma hora para outra, modifica a sua cor, e depois
decresce com uma coloração diferente das anteriores? As pessoas mal
sabem da designação gigante vermelha... E o que falar de explosões
de estrelas as quais atingem um brilho de galáxias inteiras? E os
buracos negros? Existe coisa mais fantástica que um "nada"
atraindo estrelas para seu interior onde a densidade de matéria em
seu centro encontra-se em uma densidade quase infinita?
O século XX foi um período da história da Ciência
onde o homem se deparou com problemas surgidos da sua própria
investigação, a partir de teorias e da tecnologia por ele criada,
do universo "infinitamente grande" e do "infinitamente
pequeno". Criou a Astrofísica e a Mecânica Quântica para
estudar muitos desses problemas aparentemente insolúveis ao seu
intelecto. Talvez ele achasse que fenômenos estelares ou atômicos
poderiam corresponder àqueles aos quais estivessem presentes em sua
vida cotidiana não fugindo ao seu senso comum de analisar as coisas.
Einstein disse certa vez que "o senso comum são aqueles
preconceitos adquiridos antes de completarmos 18 anos de idade".
Ele se referia basicamente às dificuldades que a sua Teoria da
Relatividade teve para ser compreendida.
Nosso
universo "infinitamente grande" possui fenômenos
macroscópicos regidos pelas leis do
universo "infinitamente pequeno" onde as reações
nucleares de fusão são em grande parte responsáveis pelos eventos
cataclísmicos que descrevi neste capítulo.
São eventos realmente fora do comum.
A vida é uma obra sublime de engenhosidade. Talvez as
etapas vencidas na formação de sua matéria prima nunca poderiam
ocorrer a partir de fenômenos comuns. E, se dentro do ciclo de vida
de uma estrela, ocorre o nascimento dos átomos principais
constituintes de nossos corpos, é a partir de um daqueles objetos
estranhos, as supernovas, que esses átomos são expulsos ao espaço
exterior para a vida, em algum lugar do universo, florescer em
esplendor e abundância.
Estrelas de primeira geração é o nome dado àquelas
onde são constituídas pela matéria inicial que sobreveio com o Big
Bang: prótons, núcleos de hidrogênio. Uma supernova já passou por
estágios onde núcleos bem mais pesados que os de hidrogênio e
hélio foram produzidos e, com a sua explosão, a enorme quantidade
de matéria por ela jorrada contém, além desses núcleos leves,
núcleos de carbono, neônio, oxigênio, nitrogênio, etc.
Com restos de supernovas formam-se as estrelas de
segunda geração, onde, há cinco bilhões de anos nosso Sol se
formou. À sua volta, em um aglomerado de gás e poeira, a Terra
nasceu há aproximadamente quatro e meio bilhões de anos. Existem
algumas dúvidas quanto ao modo pelo qual um sistema como o Solar é
concebido. A Terra seria "capturada" em sua órbita atual
logo após de ter sido formada? Ou de um mesmo aglomerado de matéria
o Sistema Solar se formou? A primeira pergunta parece não agradar
aos cientistas. A segunda pertence a uma idéia corrente, de aceite
perante a comunidade científica, na qual os planetas estavam se
constituindo à parte enquanto o Sol se formava no centro dessa
concentração de matéria. Eles se separaram do resto da nuvem de
poeira e gás para constituírem pontos isolados de concentração de
matéria.
Noventa por cento de toda a massa do Sistema Solar se
concentrou no centro da nuvem de gás e poeira formando o Sol. Ele,
por possuir maior massa, segurava uma quantidade maior de elementos
leves como o hidrogênio que os planetas. Isto parece uma
contradição: porque os planetas mantiveram em maior quantidade os
elementos com mais massa? A força da gravidade entre dois corpos
depende da massa conjunta de ambos; multiplica-se uma pela outra e o
resultado é ainda multiplicado por um número, uma constante
universal. Tudo isto é ainda dividido pela distância ao quadrado
que os corpos mantém entre si. Este é o princípio da lei da
gravidade formulada em 1687 por Newton. Nota-se que devido ao fato de
multiplicarmos as massas dos corpos, a força gravitacional será
maior para o conjunto que apresentar a maior massa total. Então o
Sol e os elementos químicos leves irão se atrair com maior
intensidade do que qualquer planeta com esses mesmos elementos.
Venho falando neste capítulo sobre a gravidade e a sua
importância nos acontecimentos a respeito dos corpos estelares que
determinaram o aparecimento dos elementos químicos indispensáveis
ao surgimento da vida na Terra. São quatro as forças conhecidas no
universo: a nuclear forte, a nuclear fraca, a eletromagnética e a
gravitacional. A força nuclear forte é a responsável pelo
agrupamento e coesão dos prótons no núcleo atômico. Eles possuem
carga elétrica positiva e se repelem mutuamente devido à força
eletromagnética mas não se afastam entre si porque a força nuclear
é muito mais forte e por isso mantém esses prótons unidos. Não
fosse ela não existiria núcleos atômicos, e consequentemente
átomos, moléculas, enfim, toda a matéria que conhecemos. Sob
certas condições ela deixa de atuar e alguns prótons e neutrôns
são expelidos do núcleo liberando energia; é a radioatividade. A
força nuclear fraca está ligada a certos fenômenos de decaimento
radiativo nas reações nucleares e mesmo sendo mais fraca que a sua
companheira nuclear, é muito mais poderosa que a eletromagnética.
Esta última é bem conhecida: aparece nos ímãs, faz uma bússola
apontar nos pólos magnéticos terrestres, movimenta motores
elétricos, etc. A força gravitacional é a mais fraca de todas mas
determina, como o leitor já verificou, muitos processos e fenômenos
astrofísicos devido ao fato do universo possuir objetos de massa
suficientemente grandes. Só desta maneira que a gravidade faz-se
notar frente às outras forças naturais.
Os átomos constituintes dos futuros seres vivos já
haviam sido formados quando a matéria do Sistema Solar dava os
primeiros passos na direção da Terra. Ao mesmo tempo em que ela se
formava esses átomos iam se combinando em estruturas mais complexas,
como certas moléculas.
A Astronomia e a Astrofísica chegam ao seu final. Do
Big Bang à Terra se passaram aproximadamente nove e meio bilhões de
anos e nesta etapa da história de nosso planeta, a vida ainda teria
que aguardar o seu momento de criação.
Os compostos orgânicos
O começo da Terra fora algo nebuloso e turbulento.
Sua massa ainda estava como átomos isolados e pequenos grãos de
poeira quando, pela ação da gravidade, ela começou a se concentrar
em um determinado centro, se aquecendo por atrito. Quatro átomos de
hidrogênio se ligavam a um carbono para formar metano. Um átomo de
hidrogênio se ligava a outro semelhante formando o gás hidrogênio;
oxigênio se combinava a dois átomos de hidrogênio formando água e
como o metano e o gás hidrogênio ela permanecia como molécula
separada sem formar outras moléculas mais complexas. Oxigênio se
combinava com oxigênio resultando em uma molécula de gás. Uma
molécula dupla como o gás hidrogênio. Um átomo de nitrogênio
formava amônia ao se ligar a três átomos de hidrogênio
permanecendo sem reagir com outros elementos.
Os átomos de silício combinando com oxigênio
formaram os silicatos, onde estes, ao prosseguirem reagindo com
potássio, sódio, magnésio, alumínio, etc., todos oriundos também
de explosões de supernovas, deram origem às pedras, rochas, seixos
e pó, que tanto caracterizam nossos solos. Já os átomos de ferro
se combinavam com outros metais, como o níquel, e acabaram se
concentrando no interior de toda essa massa de substâncias recém
nascida.
As leis da Química se faziam presentes determinando o
aparecimento de moléculas simples e se poderia continuar descrevendo
a formação de mais e mais compostos, mas uma observação se faz
importante. Não seria possível a esta altura da história da Terra
o surgimento da vida devido às altas temperaturas envolvidas no
surgimento destes compostos, atingindo mais de 5.000 graus
centígrados sendo este o valor atual no núcleo de nosso planeta.
Mas então, algo lento e irreversível iniciou uma longa jornada a
preparar não só o ambiente mas também a matéria bruta, inanimada,
em direção à vida. E esta preparação começa com um fenômeno
simples relacionado até com muitas coisas em nosso cotidiano: todo
corpo quente tende a esfriar a menos que receba calor de alguma
fonte.
As
camadas mais exteriores do planeta, mais próximas do frio vácuo do
espaço ao seu redor, acabaram por esfriarem primeiro. Assim se
formou a crosta terrestre, uma película de matéria tão fina em
relação ao tamanho do planeta quanto o é uma casca de maçã para
o seu fruto. Mas o interior quente e pastoso da Terra, pela pressão
sobre sua crosta através de gases ali formados, abria fendas em
vários pontos de sua superfície lançando torrentes de lava que
formavam materiais sólidos e outros gases. A esta altura a água
acumulada abaixo da superfície da Terra podia, através dessas
fendas que nada mais eram que vulcões e gêiseres, fluir livremente
para cima mas na forma de vapor pois a crosta terrestre ainda era
quente o suficiente para evaporá-la. A atmosfera da Terra se formou
e era constituída basicamente de vapor d'água, metano, amônia e
hidrogênio, as principais substâncias químicas usadas como matéria
prima nos compostos orgânicos, e também de pouca quantidade de
monóxido e dióxido de carbono.
O vapor d'água realizava um ciclo intermitente ao voltar à terra
na forma de chuva para evaporar em seguida ao meio de quantidades
infindáveis de faíscas elétricas. Os vulcões estavam em uma
atividade jamais comparada a nada do que é hoje e o Sol banhava a
atmosfera com os raios ultravioletas a colaborarem na agitação
molecular e aumentar o número de novas e importantes sínteses
químicas. Nesse cenário turbulento o qual se dera o nome de
condições climáticas primitivas eram realizadas naturalmente uma
quantidade enorme de reações químicas nas quais se produziam os
compostos orgânicos como, além de outros, os aminoácidos e as
proteínas, as principais substâncias moleculares constituintes dos
seres vivos. Estas substâncias também são denominadas de compostos
de carbono. Os aminoácidos formam as proteínas. Estas são cadeias
de carbono ligados entre si como em uma fila "indiana"
possuindo ainda diversos átomos como o hidrogênio, o oxigênio, o
nitrogênio, etc.
Vale a pena mencionar a famosa experiência, em 1952, do
químico norte-americano Stanley L. Miller na qual se reproduziu em
laboratório as condições climáticas da Terra nessa época de
intensas faíscas elétricas e turbulências na atmosfera. Miller
colocou em um recipiente de pouco mais de 60 centímetros, com
diversos compartimentos ligados entre si, vapor d’água, amônia,
metano, hidrogênio e outras substâncias. Ele fez essas substâncias
circularem durante semanas em condições semelhantes àquelas da
Terra primitiva, sejam descargas elétricas, aquecimento da água em
compartimentos, etc. O resultado da experiência, repetida com muitas
variações introduzidas pelos pesquisadores no mundo inteiro, fora a
presença de moléculas de aminoácidos e também de proteínas
mostrando que seu pequeno e simples aparato era uma verdadeira
fábrica de compostos orgânicos. Impossível, então, calcular a
quantidade deles criados em nosso planeta naquelas centenas de
milhões de anos ou mais de convulsões ambientais, tanto
atmosféricas quanto terrestres. A Terra teve tempo e seus elementos
uma quantidade inimaginável de tentativas de combinações para que
enfim os compostos orgânicos pudessem surgir.
A superfície terrestre se resfriou lentamente e em
certa altura da história do planeta a chuva que antes se
transformava em vapor começou a formar os oceanos. Muitos milhões
de anos se passavam enquanto as águas da chuva iam transformando
nossa superfície. Apareciam rios e lagos, os oceanos se moldavam
segundo o terreno do qual pertenciam, mas nada era igual ao que é
hoje. Ainda a temperatura superficial da Terra não chegara a valores
atuais; estava, digamos, apenas morna, mas suficiente para promover
uma agitação molecular propícia a novos acontecimentos em termos
químicos. Em mares e lagos, rios, poças barrentas, etc., a
quantidade de material orgânico chegava a uma concentração tão
grande que os cientistas apelidaram de “caldo” ou “sopa”
primitivos. Moléculas estáveis parecidas com a hemoglobina de nosso
sangue eram formadas juntamente com a clorofila das plantas e tantas
outras indispensáveis à manutenção da vida. Enzimas, que são
proteínas aceleradoras de reações químicas, formavam novas
substâncias orgânicas. Elas participavam de diversas reações
contribuindo para que mais e mais substâncias diferentes pudessem
surgir. Enfim, mesmo tudo isso ocorrendo há cerca de quatro ou três
e meio bilhões de anos atrás, sem o testemunho vivo de ninguém, dá
para se ter uma idéia do número quase infinito de tentativas nas
quais a natureza produzia e testava substâncias químicas. Mas algo
tão importante quanto espetacular, em termos de aglutinação da
matéria, também se processava lentamente. Ainda não era nada
parecido ou próximo da vida propriamente dita, mas a natureza, mais
uma vez, dava outro passo em direção a ela.
Ao dissolver açúcar em água em um recipiente suas
moléculas se dispersam, não se aglutinando e ficando em movimento
caótico. Assim ocorre para todas as substâncias orgânicas de pesos
moleculares não tão elevados. Mas se você analisar aquelas de
pesos maiores, seus comportamentos em solução começam a
determinarem estruturas de aglomerados complexos onde a chamada
química dos colóides passa a ser de relevância ao se querer
estudá-las minuciosamente. Na realidade dá-se o nome de substâncias
coloidais a esses tipos de estruturas. São substâncias
intermediárias, em consistência, entre o estado líquido e o
sólido, como uma geleia. A clara do ovo, a gelatina e o
protoplasma, a região interna da célula, são exemplos típicos de
colóides. Eles chegam ao ponto de se precipitarem quando suas
concentrações atingem um determinado valor e podem possuir uma
estrutura interna organizada segundo uma reordenação espacial de
seus átomos e moléculas.
Em seu brilhante livro “A Origem da Vida”, o russo
A. I. Oparin ressalta a química dos colóides, falando de sua
natureza especial porque possui leis um tanto diferentes daquelas da
química de compostos mais simples, citando experiências como a
mistura em solução aquosa de gelatina e goma arábica ou mesmo de
proteínas, na qual acontece uma aglutinação característica:
formam-se estruturas individuais, isoladas de seu meio ambiente. Ao
microscópio notam-se bolhas nitidamente separadas de seu meio aquoso
às quais dera-se o nome de coacervatos. Eles muitas vezes crescem em
tamanho, uns mais velozmente que outros, ao absorverem certas
substâncias orgânicas ao redor, deixando quase pura a água na qual
estão imersos. Assim, suas estruturas internas chegam a possuir
muito mais substâncias orgânicas em número que água, tendo, o
protoplasma das células, essa mesma característica. Oparin chamou o
estado do protoplasma das células, embora mais complexo que o
coacervato estudado artificialmente, como estado coacervático.
Outra vez o tempo e as possibilidades quase infinitas de
combinações de compostos atuaram em favor da vida. Os coacervatos
foram um salto evolutivo na organização da matéria. Eles possuem a
propriedade, ao absorver matéria orgânica do meio ambiente, de
modificar suas estruturas internas através de reações químicas,
aumentando ou não de massa e volume. Podem se romper devido a
entrada de certas substâncias mas também aqueles mais resistentes
com relação ao seu meio ambiente permanecem como sistemas isolados
com “vida” independente. Eles não eram sistemas vivos mas o
primeiro organismo da Terra com certeza viera de algo parecido com
esses conglomerados de substâncias hoje estudados em laboratórios.
Nos dois exemplos dados a respeito de sistemas que
encerravam reações químicas, o sistema celular do capítulo
Sistema, na parte Equilíbrio, e o outro no mesmo capítulo mas na
parte Nível Funcional Sistêmico, eu não especifiquei qual seria a
espessura ou tamanho das membranas. Nem a complexidade dos
subsistemas necessários à manutenção do sistema batizado de
celular. Eles poderiam ter membranas com uma espessura de algumas
moléculas simples. São realmente sistemas pequenos em comparação
com os coacervatos e foram dados como exemplo apenas para o leitor
entender os conceitos daqueles capítulos. A realidade é bem
diferente. Os compostos orgânicos formam estruturas de uma
complexidade bem mais intricada e sutil. O coacervato é uma dessas
estruturas na qual o nível funcional é bem maior que aqueles dos
exemplos citados. Ele, ou qualquer estrutura similar, poderia
englobar uma outra formação orgânica aumentando o nível funcional
sendo digno de nota que não só substâncias comuns são capturadas
ou deixadas penetrar em um coacervato, mas um conjunto delas já com
um certo “funcionamento” ou atividade. As mitocôndrias poderiam
ser um exemplo claro desse fato. Esses subsistemas acrescentaram
uma maior atividade aos sistemas principais. Evidente porém o
caráter ora nocivo de uma junção dessas. Um pequeno sistema no
qual sua membrana seria admissível em um sistema mais amplo, tendo
afinidade para entrar, poderia destruí-lo caso os subprodutos de
suas reações, ou qualquer atividade sua, fosse nociva ao sistema
hospedeiro. E não só a introdução de um novo elemento dentro de
um sistema seria possível, mas também o acoplamento de estruturas
para se chegar à estabilidade do sistema como um todo. Esses
sistemas estáveis proporcionam, em nossa imaginação, claramente o
que acontecera em inúmeros ambientes terrestres naqueles quase um
bilhão de anos desde a formação da Terra até o surgimento do
primeiro ser vivo.
Seriam
essas idéias muito simplistas? Afinal, mesmo a mais simples célula
procariota é de uma complexidade espantosa, deixando os cientistas
perplexos e duvidosos que uma organização tão complicada poderia
surgir da matéria bruta. Na verdade, ao pensarmos sobre este
assunto, temos sim é que invocar, refletir, em tudo quanto a matéria
necessitou de leis e fatos naturais para chegar no que chamamos de
vida. Temos a necessidade de inverter nosso referencial, porque por
detrás de uma idéia como esta existe uma infinidade de leis
naturais, situações ambientais, propriedades da matéria e da
energia, etc. Não devemos nos prender em uma afirmação como “a
matéria bruta deu origem à vida” sem nos atermos ao conjunto de
tudo que colaborou com este fato. Primeiro nós vimos o papel da
Astrofísica no tocante à formação dos elementos edificadores dos
seres vivos. Bilhões de anos se consumiram para isso. Depois, muito
tempo fora necessário até o surgimento dos compostos orgânicos e
seus aglomerados como os coacervatos.
A
vida
Se Stanley Miller através de um pequeno instrumento de laboratório,
em poucas semanas, conseguiu chegar em substâncias orgânicas como
os aminoácidos, imagine o quanto nosso planeta inteiro pôde
produzir durante quase um bilhão de anos de atividades
ininterruptas. E ainda, o quanto de variedade ele fora capaz de
criar. A escala de tempo e quantidade de combinações químicas aqui
são de magnitudes tão elevadas que podemos nos perder em nossa
imaginação.
Na
Astrofísica nós vimos fenômenos físicos de durações imensas
como o tempo necessário para uma estrela chegar ao estágio de
gigante vermelha ou consumir o seu combustível nuclear. Bilhões de
anos. Na Astronomia as escalas de tempo também não são nada
pequenas com aquelas às quais estamos acostumados em nosso dia a
dia. Se a Terra leva um ano para completar uma volta ao redor do Sol,
imagine uma volta do sistema solar em nossa galáxia em 100.000 anos!
Ou ainda, tente imaginar a luz, viajando a uma velocidade de 300.000
quilômetros por segundo, demorando 2 milhões de anos até alcançar
a galáxia mais próxima, a de andrômeda, sendo que existem mais cem
bilhões de outras em nosso universo.
Será que em nossa Terra existem, a
não ser em sua própria formação,
processos naturais ocorridos em grandes períodos de tempo? Vou
citar uma teoria da Geologia a qual dera uma nova dimensão a
fenômenos outrora considerados limitados no tempo e, como
conseqüência, ajudou aos cientistas do mundo inteiro a começar a
enxergar a Terra com uma nova ótica temporal. Depois darei dois
exemplos de fenômenos graduais acontecidos na Terra e tendo relação
direta com as idéias dessa teoria. Por volta do começo do século
XIX, essa teoria dizia que nosso planeta havia passado por intensas
catástrofes naturais conduzindo sua geografia até a configuração
atual: grandes vales e planícies, falhas geológicas e enormes
fendas na superfície, desfiladeiros, planaltos e cordilheiras. Tudo
isto porque acreditavam em uma idade de cinco mil anos para a Terra;
para este curto espaço de tempo só acontecimentos violentos
deixariam nossa superfície com este aspecto de hoje, pois eles
acreditavam nesta idade em decorrência de uma data calculada por um
arcebispo em 1650 e que se tornou o ponto de referência à
cronologia geológica por três séculos. Foi o irlandês James
Ussher quem fixou para o dia 23 de Outubro de 4004 a.C., às nove
horas da manhã de um domingo, a criação da Terra. Esta
era a Teoria da Catástrofe da qual eram adeptos muitos proeminentes
cientistas da época. Sobre o presente ela acentuava o caráter
vagaroso das mudanças; agora elas transcorriam gradualmente mas no
passado suas ações eram rápidas a ponto de criarem cordilheiras e
vales em um só dia.
Mas um cientista
escocês, Charles Lyell, em 1830, ousou enfrentar todo esse conjunto
de idéias publicando um livro,
“Princípios da Geologia”, no qual ele defendia uma doutrina, a
da uniformidade, que dizia serem constantes e uniformes os processos
naturais no tempo e no espaço. Para ele não havia o obstáculo
temporal daqueles seis mil anos, nos quais os antigos geólogos foram
praticamente obrigados a construir toda uma teoria em cima dele só
porque a igreja impunha esta restrição. Os acontecimentos do
passado tiveram motivos iguais aos de hoje, sendo alguns
catastróficos, mas não como seus opositores consideravam. Placas
tectônicas sempre se movimentaram gerando terremotos e mudanças na
superfície terrestre, a água das nascentes, dos rios e mares
contribuíram gradualmente nas mudanças da paisagem. Lyell, antes do
aparecimento da Astrofísica, mostrou a todos da sua época ser a
Terra talvez muito mais velha do que se imaginava. E com esse
desprendimento conseguiu fazer da Geologia uma Ciência de verdade,
livre de dogmas religiosos. A ele fora atribuído a ousadia de ter
sido o primeiro homem a desafiar as concepções errôneas a respeito
da então consagrada limitação do tempo.
O rio Colorado, nos Estados Unidos, criou a famosa
garganta batizada de Grand Canyon, um dos cartões de visitas daquele
país. Se um de nós observarmos, durante semanas ou meses a ação
desse rio retirando areia e pequenas rochas da margem e do fundo de
seu leito, diríamos que nada mudou na profundidade desse glorioso
ponto turístico. Ficaríamos frustrados achando que nunca haveria
mudança na profundidade, pelo menos aceitaríamos a hipótese de
mudanças a longo prazo. Bem, eu disse semanas ou meses de
observações. Esse rio sulcou a terra durante um bilhão de anos!
Nem se ficássemos dez anos, o que representaria muito em nossas
vidas, poderíamos imaginar que fora tanto tempo assim de trabalho
para o rio formar essa garganta.
Temos a mania de achar que o tempo para a ocorrência
dos fenômenos naturais é compatível com a ordem de grandeza
utilizada na contagem de tempo de nossas vidas; quando muito pensamos
em algumas centenas de anos. Muitas vezes não temos a menor noção
de quanto um fenômeno natural suplanta essas ordens. Foi só a
partir de alguns séculos atrás que pudemos, devido a evolução da
Ciência, conhecer diversos fenômenos em escalas temporais elevadas
o suficiente até para desafiar nossa capacidade de concepção das
coisas. Fenômenos nos quais se envolviam grandes dimensões
temporais e espaciais demoraram para serem analisados porque a
Ciência levou tempo até conseguir proporcionar ao homem as
ferramentas necessárias para tanto.
Quantidades inimagináveis de substâncias orgânicas
das mais variadas formas e características foram criadas por volta
de quatro bilhões de anos atrás onde Stanley Miller reproduziu em
laboratório, de maneira extremamente simplista, o meio ambiente da
época produzindo alguns desses compostos. Vieram os coacervatos e
eles não pararam de evoluir. Outras estruturas de formas
desconhecidas para os cientistas de hoje deviam se formar,
desaparecer ou sobreviver. Capturavam ou se acoplavam não só a
substâncias comuns, simples, mas também a uma variedade
considerável de sistemas estruturados capazes de proporcionar novas
possibilidades ao seu funcionamento, à sua sobrevivência. A
natureza criava e testava uma infinidade de variações possíveis de
designs nas quais bastaria uma, dentre tantas, para culminar no que
poderíamos chamar de vida. Afinal os sistemas se acoplavam formando
outros que transcendiam, na visão realística da cibernética, as
funções de cada um separadamente, e assim, caminhando nesta direção
continuamente chegaram nos primeiros seres vivos.
Através dos capítulos deste livro
chegamos finalmente a um conjunto de idéias no qual podemos resumir
em poucas palavras o mistério que envolve a criação: a vida em
nosso planeta surgiu devido às condições ambientais do que
chamamos de condições da Terra primitiva, de quatro e meio a três
bilhões de anos atrás, as quais deram tempo e possibilidade aos
compostos de carbono se aglutinarem através de uma propriedade
desses sistemas químicos, a qual diz que possuem a capacidade de se
acrescentarem uns aos outros, continuamente, fazendo com que o nível
funcional sistêmico aumente, levando os sistemas recém formados ao
equilíbrio. Sistemas estes auto-sustentados, auto-suficientes,
capazes de permanecerem intactos, a não ser que algum fator
ambiental ou substâncias nocivas ameacem sua integridade. Sistemas
não eficientes a sobreviverem ou sem equilíbrio foram dizimados
dando lugar àqueles melhores adaptados ao meio ambiente. É neste
sentido que os níveis de organização da matéria, energia e
informação, passaram da Química para a Biologia como apresentados
no subcapítulo "Equilíbrio", da página 21. Primeiro
tínhamos os átomos para a Física e moléculas com seus
conglomerados para a Química. Junta-se a elas esta propriedade
organizadora que aumenta o nível sistêmico da energia, matéria e
informação e chegamos à Biologia.
Esta explanação não é só válida para o surgimento
da vida; desde as primeiras formações de compostos de carbono,
passando pelos coacervatos, a matéria seguiu este caminho como se
fosse um fim em si mesmo. Se pudéssemos presenciar todo esse
movimento da matéria naquelas épocas, não poderíamos prever em
quais estados os sistemas chegariam no futuro devido às influências
aleatórias dos ambientes terrestres. Vemos o filme após o seu final
e tiramos conclusões a partir de evidências e fatos presentes com a
ajuda imprescindível da Tecnologia e da Ciência.
Não foi coincidência que Miller obteve resultados
satisfatórios comprovando a eficácia em organização destes
agrupamentos moleculares. Essa capacidade de organização dos
compostos de carbono levou a matéria inanimada para além dos
coacervatos ou de qualquer sistema tão complexo quanto eles e que
não deixaram registros fósseis. A atividade sistêmica aumentava
quanto mais compostos se aglutinavam formando estruturas, estáveis
ou não. Subsistemas se acoplavam dando origem não só a estruturas
rígidas, mas a combinações destas com substâncias fluidas nos
interiores celulares. O meio ambiente da época forneceu a energia
necessária para tanto pois promovia a agitação molecular
suficiente para um maior número possível de combinações serem
testadas e, mesmo assim , se levou muito tempo até que surgisse
algum sistema no qual se poderia ser reconhecido como vivente.
Sistemas
celulares surgiram em muitos ambientes terrestres há alguns bilhões
de anos atrás, ocorrendo de imediato uma diferenciação entre eles
nos quais a própria diversidade biológica que conhecemos hoje
tivera início. Temperatura, luminosidade, concentração de
substâncias na água, etc., influenciaram a organização das
primeiras células no planeta, dando origem a esse começo de
diversidade onde o meio ambiente influenciou a formação desses
organismos. Uma concentração maior de sais em determinados locais
fez com que o “funcionamento”, a atividade sistêmica de uma
célula fosse um tanto diferente daquela onde essas substâncias
estavam ausentes ou presentes em menores quantidades. Os fatores
ambientais não eram uniformes em todo o planeta e por isto células
diferentes ou com algum aspecto, por mais sutil que fosse, haveriam
de aparecer determinando diferentes tipos ou designs aos seus
descendentes. Existe uma sintonia com o meio ambiente no qual este
determinou como seriam muitos dos sistemas surgidos em meio a
agitações moleculares, faíscas elétricas, temperaturas, etc.
Nas
modernas concepções referentes aos estímulos do meio ambiente na
formação de sistemas vivos, coloca-se o nome de ruído
organizacional para esse conjunto de fatores que levam os sistemas a
se organizarem. Auto-organização é comumente usada no sentido de
que os sistemas parecem se organizar sozinhos mas a influência do
meio não deve ser desprezada. O potencial de organização -
matéria-prima e leis físico-químicas - e a influência do meio são
ambos necessários para tanto. Um exemplo simples corrobora com essas
colocações: um grupo de pequenos ímãs são deixados longe uns dos
outros dentro de uma caixa. Eles tem a propriedade de se agruparem
formando um cubo devido às suas estruturas de como são imantados.
Se balançarmos essa caixa eles finalmente poderão demonstrar essa
propriedade pois, ao se chocarem aleatoriamente, conseguirão por fim
se tocarem nos pontos onde se agruparão resultando o formato
cúbico. Do aleatório, do caos, vêm a ordem, pois os elementos já
estão preparados. O movimento molecular, a eletricidade atmosférica,
os gradientes de temperatura, enfim, o conjunto de todos os fatores
aleatórios do ambiente primitivo da Terra contribuíram com a
organização dos seres vivos. Em um planeta estático nada disso
ocorreria.
Neste
momento chegamos na Estatística, no jogo de dados, no tempo, nos
conceitos do capítulo 4. Sem a movimentação da matéria e da
energia causada pelos ambientes terrestres não haveria tempo
suficiente para as moléculas e grupos delas se aglutinarem. Nem
tampouco para os sistemas celulares.
Centenas
de milhões ou quase um bilhão de anos pode ser de magnitude elevada
em comparação com o tempo em que estamos acostumados com fenômenos
cotidianos. Mas fora o suficiente para promover o aparecimento da
vida porque havia movimentação da matéria naqueles obscuros e
inóspitos ambientes terrestres a acelerar o processo. Lembre-se dos
trinta e seis dados lançados simultaneamente. Enquanto em um lado da
Terra um sistema celular tinha dificuldades em se organizar devido,
por exemplo, à temperatura local mais alta que a média, no outro um
sistema caminhava rapidamente a níveis sistêmicos mais elevados
pois estava livre de muitos fatores nocivos à sua sobrevivência.
De tantas possibilidades, de tantas tentativas, não seria difícil
acontecer!
Todo
o planeta estava envolvido em um processo no qual a vida seria o fim
de tudo. A natureza “testava” não só combinações de moléculas
e estruturas moleculares mas de sistemas. E isto é que faz diferença
quando não se acredita que a vida surgiu da matéria inanimada: de
moléculas e grupos delas não houve um salto repentino em direção
à vida. Nem dos coacervatos. Houve sim muitos processos
intermediários até os compostos materiais chegar a um simples
sistema com algumas características nas quais o definiríamos como
vivente.
Existe
um consenso entre os cientistas a respeito da posição dos planetas
em relação à estrela mais próxima, na qual se permitiria
desenvolver vida pois a temperatura não seria tão alta a ponto de
destruir as moléculas de proteína. Veja que no início da história
de um planeta é necessário temperaturas altas para os compostos se
aglutinarem e formarem os aminoácidos, a base das proteínas, e só
após esta fase quente é que a vida pode surgir e se estabelecer no
planeta. Esta posição privilegiada de um corpo celeste é chamada
de “zona de vida”; Mercúrio e Vênus estão próximos demais ao
Sol para isso. Marte, embora longe, teria a possibilidade de
desenvolver vida em épocas de intensas atividades geológicas nas
quais sua temperatura, em média, estivesse mais elevada que hoje. É
possível uma descoberta de formas elementares de vida já extintas
no planeta vermelho; as sondas espaciais enviadas até lá não
descobriram nada até agora mas é de se questionar se as autoridades
não demorariam para revelar uma notícia destas tamanho o impacto
filosófico-religioso que traria consigo.
Apesar
de toda essa argumentação o leigo ainda se embaraça ao ouvir falar
na origem da vida como um fato independente de forças superiores ou
sobrenaturais. Qualquer um, por menos informado que seja, tem uma
noção de tão complexa é a vida nas suas partes constituintes e
funcionais; noção esta não necessariamente baseada na leitura, nas
informações proporcionadas pelos livros, mas algo como a intuição
ou percepção da realidade à sua volta. Pensar na estrutura de um
material inorgânico como um diamante com a sua disposição espacial
característica de átomos de carbono não é difícil. Mas com a
vida a coisa é diferente. Uma grande dificuldade reside no fato de
se entender como ela surgiu do “nada”, sendo este tipo de
raciocínio bem comum para muita gente embora isto não passa de uma
forma equivocada de se pensar. Não é do “nada”. Este
pressuposto “nada” é simplesmente grande parte do conjunto das
leis da Física e da Química, da Cibernética, da Estatística e da
Biologia. Subestima-se séculos de avanços da Ciência e da
Tecnologia em favor de uma posição cômoda, anti-científica, de
não se procurar respostas onde elas realmente estão.
Outro
argumento para se entender como seria possível a sistemas celulares
surgirem "espontaneamente" está ligado ao tamanho da
Terra, a quantidade de matéria que possui, ao pequeno tamanho desses
sistemas e, mais uma vez, a tão desprezada por muitos, a
Estatística. Apresentarei alguns números como base a esta
argumentação e espero não cansar o leitor.
A
Terra possui um raio médio, devido à sua forma achatada nos pólos,
onde seu raio equatorial é maior que o raio polar, de
aproximadamente 6.370 quilômetros e consequentemente um diâmetro
médio de 12.740 quilômetros. Sua superfície quase chega a
510.000.000 de quilômetros quadrados. A população mundial já é
de seis bilhões de pessoas, e se colocássemos cada uma delas em um
metro quadrado cada, lado a lado em todas as direções, cobriríamos
quase 6.000 quilômetros quadrados, o que corresponderia a apenas uma
área de um quadrado de 77 quilômetros de lado.
Esses números indicam o quão pequenos
somos perto do lugar que habitamos. Considerando que os seres vivos
estão presentes em ambientes de até uma profundidade de dez
quilômetros no fundo do mar e outros dez acima da superfície
terrestre, o volume ocupado por este conjunto de habitats, mesmo
incluindo os desertos e as
regiões polares, é de 10.000.000.000 de quilômetros cúbicos.
Sendo o volume da Terra de aproximadamente 1,1 trilhões de
quilômetros cúbicos, a vida ocupa uma fração de apenas 0,9% deste
total. Mas isso em volume bruto: os seres vivos não ocupam cada
milímetro cúbico dessa fração. Por outro lado, estou considerando
todas as espécies atuais com seus descendentes. Mas seriam preciso
poucos quilos, gramas, ou até décimos de gramas de matéria viva,
surgida nos bilhões de anos atrás em vários habitats terrestres,
sem necessariamente ser ao mesmo tempo, para chegarmos na quantidade
e diversificação que ela possui hoje. Células iniciais,
clorofiladas, ou com processos de fermentação, etc., deram o início
dessa longa caminhada de povoamento do planeta. Não apareceram seres
dotados desta capacidade a qual denominamos de vida, de uma hora para
outra e com tamanhos consideráveis em relação a nós.
Vivemos
em uma estreita faixa ambiental em condições de proporcionar
segurança e matéria prima à nossa sobrevivência, delimitada pela
atmosfera logo acima de nós e o fundo dos oceanos, e sequer nos
apercebemos disto. A Ciência revelou a verdadeira dimensão do homem
no universo e em nossa Terra colocando-nos na posição de pequenos
“pontos” de matéria organizada no meio de uma película
ambiental, o ecossistema terrestre. Aí entra a Estatística. Seria
estranho se em um planeta com matéria e condições ambientais como
a Terra teve em sua história não surgisse um mínimo de organização
material na forma de vida. Alguma coisa iria fermentar aqui e ali até
que um sistema celular, ou vários deles, aparecesse e começasse a
se reproduzir. Se nenhuma experiência como a de Stanley Miller fosse
satisfatória, se nossos corpos não fossem constituídos de
compostos de carbono, se para cada espécie viva a “matéria-prima”
fosse diferente, se os átomos dos noventa e dois elementos químicos
da natureza estivessem presentes aleatoriamente em cada ser vivo, daí
sim não teríamos nenhuma pista e não conseguiríamos chegar a
nenhuma conclusão satisfatória a respeito da criação. Poderíamos
avançar quase que indefinidamente na Ciência e na Tecnologia, como
avançamos até hoje, e não obteríamos respostas como essas que
apresento aqui.
No
capítulo dois “O que é a vida” sustentei a idéia da célula
viva devido àquelas propriedades de nutrição, respiração,
reprodução e excreção, e no capítulo três, “Sistema”, criei
um item somente para descrever as propriedades emergentes da matéria
inanimada. Conceitualmente, o que é a vida senão uma propriedade
emergente de um sistema delimitado em seu meio ambiente onde se tem
lugar conjuntos de reações químicas produzindo as propriedades
descritas no capítulo dois? E o que é uma célula senão um
conglomerado de organelas ou organóides, os ribossomos, as
mitocôndrias, a substância de Golgi, o retículo endoplasmático,
etc., apresentando esta série de propriedades as quais acabam em
conjunto por resultar em uma só e que denominamos de vida? Afinal,
basta um sistema possuir duas ou três dessas propriedades para nos
confundirmos ao tentar classificá-lo como ser vivo ou não. Os
vírus, que só se reproduzem, já causam alguma confusão. Vários
autores os consideram como algo não vivo; outros consideram-nos
vivos a ponto de merecerem uma classificação nem de animal ou
vegetal, algo individualizado só para encaixá-los na definição de
seres viventes.
Considerar a vida como uma “propriedade” da matéria
e da energia, de leis físico-químicas, de funções materiais, não
é uma simplificação extrema, um rebaixamento do status de algo
especial na natureza. A sua organização e complexidade bastam para
deixá-la em um nível jamais alcançado por qualquer coisa que
conhecemos. Uma grande diferença entre as propriedades emergentes de
um sistema rígido, como as que vimos no caso do diamante, e essas
nas quais "produzem" um comportamento único na natureza,
levando-nos a considerar o sistema todo como um ser vivo, é
justamente a falta de organização, versatilidade e fluidez dos
componentes. Aos sistemas rígidos não é permitido, pela sua
própria natureza, se organizarem com a fluência necessária para
evoluírem constantemente e chegar a um nível no qual teriam alguma
propriedade que consideraríamos como a de alguma coisa viva. Suas
partes não interagem como as dos sistemas celulares; não se
encaixam aumentando consideravelmente o nível funcional sistêmico.
Não fluem para interagirem formando estruturas complexas e ao mesmo
tempo versáteis em funções.
Para a vida não há
necessidade de algo imaterial
a mantê-la do jeito que é, com as suas
funções que denominamos de vitais. E não cabe aqui qualquer
discussão do porquê da existência de uma alma a ser o ponto na
qual ela estaria subordinada para existir. Discussões religiosas ou
filosóficas acerca deste problema não está no domínio da Ciência;
esta apenas mostra a auto-suficiência de sistemas com inúmeros
feedbacks a garantir a sua existência e permanência como tal.
A matéria bruta se organiza de diversas maneiras e
formas e consequentemente em funções. Mas uma linha de organização
ou auto-organização, de bilhões de anos atrás, chegou a um
conjunto de estados onde as suas funções não estavam limitadas à
rigidez de uma rocha e nem tampouco a fluidez da fumaça de algum
objeto incandescente. A estrutura "trabalhava" em um meio
termo entre esses dois extremos e por isto a sua versatilidade de
funções era muito maior que qualquer outro sistema de natureza
diferente.
Talvez por isto a nossa concepção de vida
tenha que sofrer algumas alterações. Não podemos nos prender
somente àquela concepção rígida, descrita no capítulo dois, em
que respiração, digestão, reprodução e excreção aparecem como
uma referência básica do que seja a vida. Temos sim é que
compreender como algo chega a ser vivo após um contínuo
aprimoramento ou acúmulo de funções, o processo, quando o nível
funcional aumenta gradativamente. Pensava-se na matéria bruta e na
vida como duas coisas totalmente distintas mesmo sabendo que a
segunda era também composta de átomos e moléculas. Ocorre que uma
é extensão da outra porque existiu uma lenta continuidade em
organização através das moléculas de aminoácidos e proteínas
até o primeiro ser vivo. Existe
uma auto-organização presente nessas duas formas de aglutinação
da matéria, mas a diferença fundamental entre ambas é a
versatilidade em funções e a complexidade daquela que gera os
sistemas celulares.
Por outro lado,
a vida não surgiu de repente como as pessoas pensam; elas no máximo
se perguntam como da matéria inerte se pôde chegar aos habitantes
da Terra. É quase a mesma coisa quando alguém olha para um macaco e
nota quanta semelhança existe entre ele e o ser humano, mas não
admite que viemos de criaturas parecidas com esses símios atuais
através de mudanças significativas no decorrer do tempo. A Teoria
da Evolução também mostrou a existência de uma continuidade e
chocou o mundo quando de sua publicação; com a vida talvez ocorra a
mesma coisa: não se sabia da continuidade entre o inanimado e o
animado e por isto considerava-se que os seres vivos haviam surgido
de forma repentina em nosso planeta.
E se um dia descobríssemos em outro
planeta um sistema individualizado deixando penetrar algumas
substâncias em seu interior no qual ocorreria reações químicas
energéticas, de reparos para a sua sobrevivência e que fosse capaz
de se reproduzir e, o que seria desconcertante, fosse constituído
não de compostos de carbono mas de outras substâncias? Seria um ser
vivo? Sim, e classificaríamos como um ser em um reino separado
daqueles dos quais conhecemos aqui. Mas, como os átomos de carbono e
todos os outros constituintes dos seres vivos na Terra, e que o
leitor viu que não são muitos, existem em abundância em nosso
universo, não seria difícil encontrar alguma forma de vida já
completa ou mesmo em formação em planetas onde os sistemas
celulares pudessem ter a chance de se desenvolverem. Pelos
conhecimentos obtidos até agora pela Ciência e pela Tecnologia não
é exagero nenhum dizer que a vida em um planeta aparecerá, como
apareceu por aqui, bastando existir condições ambientais como
aquelas da Terra primitiva. Isto é uma espécie de “dogmatização”
da vida para o universo. Onde
existir condições especiais ela se desenvolverá, colonizando os
possíveis habitats propícios à sua sobrevivência, modificando
seus designs e suas funções para se adaptar ao meio circundante,
como o fez na Terra.
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