Argos Arruda Pinto

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sábado, 15 de fevereiro de 2025

A unicidade da vida na Terra. Por Marcelo Gleiser*

"Cerca de 5 bilhões de anos atrás, uma gigantesca nuvem de hidrogênio flutuava calmamente na nossa galáxia, enquanto girava lentamente em torno de si como um pião preguiçoso. Estrelas vizinhas, no final de seu ciclo de vida, explodiram violentamente, enviando ondas de choque que atravessaram o espaço interestelar a velocidades que chegam a 30 mil quilômetros por segundo, um décimo da velocidade da luz. Essas ondas semearam o espaço com os elementos químicos essenciais à vida. Eventualmente, colidiram com a nuvem de hidrogênio. A violência do choque iniciou o colapso gravitacional da nuvem, que começou a implodir, enquanto girava em torno de si mesma. Ao diminuir de tamanho, a nuvem foi girando cada vez mais rápido, achatando nos polos feito massa de pizza. 

A maior parte da matéria concentrou-se no centro, enquanto os restos continuaram a girar à sua volta. 

Com o passar do tempo, a massa no centro tornou-se densa e quente o suficiente para iniciar o processo de fusão nuclear: nasceu uma estrela, no caso, o nosso Sol. A matéria que sobrou à sua volta foi coagulando em mundos diferentes, de tamanho e composição variada. Em menos de 1 bilhão de anos, o sistema solar se formou, a Terra sendo o terceiro planeta a partir do Sol, após Mercúrio e vênus. O que ocorreu aqui ocorre em todo o Universo. A morte de uma estrela causa o nascimento de outras, a Natureza em fluxo constante. A energia flui e a matéria dança, assumindo formas, ora criando padrões, ora destruindo-os. 

Dos mundos que nasciam em torno do Sol, a Terra era um aglomerado incandescente de matéria, aproximadamente esférico, borbulhando enquanto tomava forma e se resfriava. Restos de material não coletado em outros planetas, asteroides e cometas, colidiam impiedosamente com a jovem Terra, aumentando ainda mais o caos, enquanto depositavam seus tesouros: água e uma enorme variedade de compostos químicos, incluindo alguns orgânicos, aqueles contendo carbono, mesmo se ainda simples. Os céus davam e torturavam. As coisas começaram a se acalmar apenas 600 milhões de anos, em torno de 3,9 bilhões de anos atrás. Se, porventura, alguma criatura viva existiu antes disso, foi destruída sem dó, sem deixar traço de sua breve existência. A vida pode ter tido muitas origens, perdidas num tempo sem história. Para entender a história da vida na Terra, precisamos entender a história da Terra. Isso é tanto verdade aqui quanto em qualquer outro planeta ou lua onde a vida pode existir, passado, presente e futuro: a história da vida num planeta depende de forma essencial da história da vida no planeta. 

Dado que cada planeta tem sua própria história, a vida e suas características específicas são únicas: se considerarmos a vida um experimento, ele não se repetiu da mesma forma em dois mundos diversos. Mesmo que a vida siga os mesmos princípios no Universo inteiro, baseada no carbono e seguindo as leis da evolução darwinista segundo a seleção natural, será única em cada mundo em que existir, cada criatura sofrendo mutações e evoluindo de forma a maximizar sua adaptabilidade ao mundo em que existe. 

Este fato nos afeta diretamente. A vida na Terra é única: se houver vida em outro lugar, será necessariamente diferente. Dado que somos a forma de vida mais sofisticada neste planeta - amo baleias, golfinhos, macacos, gatos, etc., mas me refiro aqui à nossa capacidade de raciocínio -, somos únicos como seres inteligentes. Se a vida inteligente existir em algum outro sistema solar, será diferente da gente, mesmo que possa dividir alguns dos nossos traços, como uma simetria aproximada entre o lado esquerdo e o direito, ou um sistema circulatório com um coração. Além disso, essa vida inteligente estará tão longe que, na prática, estamos sós. Sendo assim, temos um papel central no Universo, sendo a expressão material de sua inteligência, o que chamo de  'humanocentrismo'." 

 

Nota: 

(*) Marcelo Gleiser (1959 -) é um físico e astrônomo brasileiro, professor na Dartmouth College, nos EUA. Nascido no Rio de Janeiro, ele é atualmente o físico brasileiro mais famoso do mundo. 

 

Referência 

GLEISER, M. A simples beleza do inesperado. 1a. ed. Rio de Janeiro. Record, 2016, p. 140.